A dupla imbatível (e introspectiva)
Dificilmente haverá adeptos mais fervorosos do do-it-yourself do que Peter Broderick.
Pelo menos na noite de ontem, no MusicBox, em Lisboa, o músico norte-americano não só foi um autêntico "homem dos sete instrumentos" (tocou violino, piano, toy piano, guitarra, aproveitou outros utensílios algo inesperados para fazer música e cantou) como ainda tratou do equipamento em palco antes e depois do concerto e vendeu os seus discos.
Ainda assim nem sempre esteve sozinho, já que o seu amigo Nils Frahm acompanhou-o ao piano em alguns momentos da actuação e teve a seu cargo a primeira parte.
Esta atitude é um dos traços do percurso polivalente de Broderick, cantautor e multi-instrumentista que, além de contar com uma considerável discografia a solo, integra os dinamarqueses Efterklang (depois de ter sido convidado pelos próprios) e colaborou com estrelas indie como os She & Him, Dakota Suite ou Balmorhea.
Durante o concerto intercalou temas instrumentais e cantados, tendo como fio condutor a folk e algum experimentalismo.
Determinante ao longo de todo o espectáculo, o recurso a loops (gravados na altura, à medida que foi tocando) permitiu que, apesar de ter estado quase sempre sozinho em palco, as canções tenham mantido a diversidade instrumental registada nos discos.
Capaz de surpreender por esta sobreposição de texturas e camadas, Broderick deu ainda provas de uma voz convincente tanto numa vertente quase sussurrante como em abruptos acessos de intensidade, e assim não foi difícil conseguir manter a atenção do público.
A consolidar esta boa impressão, a postura modesta e afável com que se dirigiu aos espectadores fez com que até os comentários da praxe emanassem sinceridade - como a confissão de que este era um dos concertos que mais aguardava, e um dos melhores.
Mas se calhar até foi mesmo. Afinal, houve química quando pediu ao público para gritar o mais alto que conseguisse.
Talvez até demasiada, uma vez que os gritos acabaram por abafar a música quando foram repetidos em loop - "Geralmente quando peço para as pessoas gritarem o resultado mal se ouve entre os instrumentos. Nunca ninguém gritou tão alto", comentou com um sorriso.
No mais tranquilo "Father's Song" recuou até à infância - "Esta era a canção que o meu pai me tocava e agora vou tocá-la para vocês" -, em "Return" utilizou uma serra como se de um violino se tratasse e no final arriscou uma canção que não estava programada, embora tenha sido muito solicitada.
"It's Alright", tema arrepiante de adesão imediata, é contudo daqueles que Broderick admite não conseguir tocar sozinho - "Posso tocar a guitarra mas falta a percussão".
Mas essa limitação não foi problemática porque a cadência das palmas dos espectadores teve quase o mesmo efeito e resultou num daqueles raros momentos de antologia, provavelmente tão memorável para o músico como para o público, a terminar em alta uma acolhedora sucessão de canções.
Igualmente digna de elogios, a actuação do alemão Nils Frahm foi magnética tanto nas colaborações com Broderick como na primeira parte.
Interpretando belas composições ao piano, ofereceu melodias delicadas e de forte carga cinemática, não surprendendo por isso que, no final dos concertos, boa parte do público tenha optado por continuar a ouvi-lo levando um ou dois dos seus discos para casa.
Peter Broderick ao vivo em Portland