A vida é um cabaret

A faceta mais visível de Mathieu Amalric é a de actor, mas "Tournée - Em Digressão" é já a sua terceira longa-metragem e a mais recente obra de uma filmografia que soma várias curtas.
Além da realização, desta vez o francês assume também o papel protagonista de um filme que, à semelhança de alguns trabalhos anteriores, junta traços do documentário e da ficção (embora a segunda tenha, ainda assim, alguma vantagem).
As fronteiras entre géneros não são, aliás, nada estanques nestas quase duas horas que vão do road movie ao drama (amoroso ou familiar) ou do musical à comédia, num estudo de personagens com um sentido de liberdade (narrativa, formal) que envolve e entusiasma.
Regressado à França natal depois de alguns anos nos EUA, o protagonista tenta agendar espectáculos para a sua companhia de performers norte-americanas, quase todas veteranas do new burlesque. Mas a paixão não chega quando quase todas as portas só se abrem para outros tipos de entretenimento (sobretudo televisivo).
E assim, entre o desencanto e a obstinação, "Tournée - Em Digressão" vai deixando um olhar cúmplice e atento sobre as suas personagens (e algumas são um achado), funcionando também como carta de amor aos artistas (mesmo que a sua arte não seja legitimada).
Tirando uma cena despropositada num supermercado, Amalric conduz o filme com carisma e arrojo, sabendo dosear intensidade e leveza, e deixa mais um bom motivo para continuar a ser seguido na sua dupla faceta (ou melhor, tripla, uma vez que também assina o argumento). Os artistas podem não aparecer no final para os agradecimentos, mas nem por isso "Tournée - Em Digressão" deixa de merecer aplausos.
3,5/5