Viagem ao fundo da terra
"Enterrado" é bem capaz de dever alguma coisa a Tarantino, que enterrou vivas duas personagens - a de Uma Thurman em "Kill Bill — A Vingança — Vol. 2 ", num dos momentos mais desconcertantes do filme, e um elemento da equipa de "CSI", em dois episódios da série. Mas se o espanhol Rodrigo Cortés foi buscar inspiração ao autor de "Pulp Fiction", terá sido só mesmo na premissa, já que a execução está muito longe das suas idiossincrasias.
Com um estilo enxuto e até um pouco anónimo, embora sempre eficaz, "Enterrado" é certamente preferível a "127 Horas", de Danny Boyle - outro filme recente centrado num protagonista preso e isolado, neste caso numa ravina -, que não se poupava a maneirismos para injectar tensão e claustrofobia.
Rodrigo Cortés também tem alguns truques na manga, mas nunca foge daquilo a que se propõe, mantendo o mesmo cenário sem se esquecer de alimentar o interesse do espectador. O telemóvel, além de surgir como ferramenta essencial neste propósito, amplifica as ambições de "Enterrado" e ajuda a moldar um olhar irónico - e também muito amargo - sobre as desesperantes burocracias que contaminam, ainda, a era digital.
Ryan Reynolds, mesmo sem deslumbrar, mostra que é melhor do que muitos dos filmes que tem feito e não deita por terra (passe a expressão) o talento do realizador - especialmente hábil na gestão do ritmo e dos jogos de luz (onde consegue fazer muito com muito pouco). No final, e mais uma vez mantendo as devidas distâncias, a sensação deixada por este thriller invulgarmente desafiante é a de que, tal como nos filmes de Tarantino, o estatuto de obra de culto é tão provável como merecido.
3/5