Era uma vez na América
No seu segundo filme, "Procurem Abrigo", Jeff Nichols recupera pelo menos dois elementos que se destacaram no primeiro (o muito promissor "Histórias de Caçadeira"): os ambientes da América rural, que o realizador norte-americano continua a filmar como poucos, e Michael Shannon, a oferecer mais uma interpretação de grande fôlego num percurso auspicioso.
Mas se esse antecessor era quase sempre seco e directo ao assunto, este novo drama familiar cai em algumas tentativas duvidosas de simbolismo e anda muitas vezes a marcar passo, com uma narrativa de interesse intermitente.
Mais esotérico, não deixando de lado o realismo - pense-se em Terrence Malick ou mesmo em M. Night Shyamalan -, "Procurem Abrigo" propõe uma reflexão sobre o medo, a paranóia, a comunidade ou a família, questões abordadas com algumas premissas intrigantes que Nichols não chega, contudo, a desenvolver com a complexidade que mereciam - depois de tantas sequências oníricas, que acabam por perder o efeito, e de uma tensão dramática nem sempre muito subtil, o desenlace poderia, pelo menos, deixar um impacto mais forte e revelador, em vez de optar por uma ambiguidade previsível.
O resultado não é, ainda assim, uma perda de tempo, e grande parte do mérito deve atribuir-se à dupla protagonista. Michael Shannon e Jessica Chastain fazem o que podem para disfarçar as fragilidades da narrativa, e fazem muito: o seu drama conjugal deixa uma ressonância bem maior do que a vertente de thriller psicológico apocalíptico (embora derive desta), num dos retratos mais belos e dolorosos do amor (e do casamento, na saúde e na doença) que têm passado pelo grande ecrã. Essa química, nascida de duas interpretações irrepreensíveis, não chega para que "Procurem Abrigo" seja o grande filme que se esperaria, mas é mais do que suficiente para o salvar da desilusão que se insinua em três ou quatro momentos.