Quanto mais quente melhor (ou então não)
Quando a transgressão se torna norma, ainda há espaço para a espontaneidade? Terminado o concerto dos Rammstein no Pavilhão Atlântico, esta terça-feira, a ideia que fica é a de que nem por isso... Depois de um circo de provocações e perversões tão excessivas quanto ensaiadas e programadas, um dos momentos menos standardizados acabou por chegar, curiosamente, quando o vocalista, Till Lindemann, agradeceu ao público em português e pediu que os milhares de espectadores levantessem os braços - algo que seria banal em qualquer outro concerto, mas que aqui mostrou ser uma das raras atitudes não delineadas à partida.
Os concertos dos alemães continuam, sem dúvida, casos de pontaria fulminante junto dos fãs - e estes são tantos que voltaram a encher a maior sala da capital -, dando-lhes tudo o que prometem: uma colecção de singles que têm no palco o seu ambiente natural (o alinhamento em modo best of relembrou os principais), pirotecnia e outras manobras de encher o olho em quase todos os temas (jogos de fumo ou uma estrutura de palco móvel também estão entre as atracções) e, claro, uma componente politicamente incorrecta que inclui tochas humanas, sodomia na vertente S&M, alusões a canibalismo (Lindemann tornou-se num sério candidato a cozinheiro de Hannibal Lecter ao aquecer um colega num caldeirão) e o já clássico pénis gigante que rega banda e público no final (gracinha visual que complementa a gracinha musical de "Pussy", single desavergonhadamente foleiro, mesmo tendo em conta de quem vem).
Durante quase duas horas, a actuação nunca ameaçou quebrar a ligação entre o grupo e um público que merece elogios - não é todos os dias que a tagarelice fica de fora quando canções mais calmas entram em cena -, embora o concerto também nunca tenha saído da sombra dos últimos que os Rammstein deram por cá. O sexteto sabe muito bem o que está a fazer, como e para quem o faz, mas não fez muito mais do que repetir uma fórmula que mostrou outra chama, por exemplo, na passagem pelo mesmo espaço em 2009 ou pelo Rock in Rio - Lisboa no ano seguinte. Momentos como a impresssionante marcha colectiva de "Links 2-3-4", a potentíssima "Du Riechst So Gut" (a relembrar que a EBM é sempre preferível à batida EDM da moda) ou uma "Mein Herz Brennt" só com voz e piano (variação talvez ainda mais intensa do que a versão orquestral do original) mostram que a fórmula, mesmo repetida, mantém-se tão funcional como os ritmos e riffs básicos (e irresistíveis) de "Du Hast" (inevitavelmente, outro ponto alto de comunhão). Nada disso impede, lá está, que os Rammstein pareçam não querer sair de uma óbvia zona de conforto pintalgada pela irreverência do costume.