Baseado numa histórica verídica
"Se não é verosímil, não vale nada. Mesmo que seja verdade", defende Germain, professor de literatura francesa, num dos muitos conselhos sobre a escrita de ficção dados a Claude, aluno com quem vai ganhando maior afinidade ao longo de "Dentro de Casa".
Tal como o filme de François Ozon acaba por revelar aos poucos, esses conselhos nem sempre devem ser seguidos à letra. E ainda bem, porque este olhar sobre os códigos da literatura e os limites do voyeurismo torna-se, a certa altura, num ensaio pouco verosímil mas, ainda assim, numa das experiências mais entusiasmantes com direito a estreia por cá este Verão.
Curiosamente, o lado menos credível de "Dentro de Casa" nem é o do filme dentro do filme (ou antes o do livro dentro do filme, centrado nos textos com continuação que o aluno vai entregando ao professor). A relação de cumplicidade entre Germain e Claude, essa sim, evolui de forma demasiado fácil, até leviana, mais para servir o argumento do que as personagens, e aí Ozon perde algum peso dramático. Felizmente, perde-o a favor de um exercício mais certeiro e lúdico do que muitos workshops de escrita criativa, partindo do quotidiano de uma família da classe média descrito a traço grosso (pelo aluno) que vai ganhando maior espessura à medida que é lido, dissecado e comentado (pelo professor).
Deste jogo narrativo nasce um dos melhores filmes do realizador francês, obsessivo e implacável (sejam as personagens mais ou menos letradas) sem deixar de ser espirituoso no retrato social e cultural (as farpas atiradas aos extremos das artes plásticas são especialmente irresistíveis). O elenco, do novato Ernst Umhauer aos veteranos Fabrice Luchini, Emmanuelle Seigner ou Kristin Scott Thomas, adapta-se com desenvoltura à colagem de thriller psicológico, drama familiar/conjugal, sátira pouco inocente e, por fim, braço de ferro entre pupilo e tutor. E Ozon, com um savoir faire inatacável, diverte-se e diverte-nos numa das suas obras mais engenhosas, onde a imaginação tenta disfarçar a solidão.