Fome
Um dos filmes-sensação do novo cinema grego, aplaudido em festivais internacionais (como no Queer Lisboa, há poucos dias) e pré-nomeado para Óscar de Melhor Filme Estrangeiro, "Boy Eating the Bird’s Food" ganha, quase inevitavelmente, uma ressonância mais forte e angustiante pelas suas origens. Numa altura em que a crise económica europeia tem na Grécia uma das suas principais vítimas, a história de um rapaz de Atenas obrigado a lidar com o desemprego, a consequente falta de rendimentos e, em última instância, a fome, perfila-se como símbolo exemplar da austeridade e precariedade levadas ao extremo.
E no entanto, esta primeira longa-metragem de Ektoras Lygizos, inspirada no livro "Hunger" (1890), de Knut Hamsun, consegue manter, tal como o seu protagonista, uma dignidade capaz de desfazer qualquer sugestão de oportunismo. O que poderia resumir-se a uma acumulação de desgraças e tristes coincidências - o rapaz do título está longe da família, fica desalojado, lida de perto com a morte e acaba por ter de comer a alpista do seu canário, que nunca abandona -, esquiva-se ao choque pelo choque de um retrato grotesco, histérico ou miserabilista.
Se alguns realizadores fariam desta narrativa uma via sacra implacável (Lars von Trier ou Larry Clark esfregariam as mãos, provavelmente), Lygizos segue o seu protagonista de forma seca, dura e desconfortável, sim, mas não o trata como mera marioneta vítima das circunstâncias.
A lição de realização do realizador grego - com uma câmara à mão sempre colada à personagem principal, fluidez na gestão de elipses e aposta feliz na lógica "menos é mais" - está em perfeita sintonia com a interpretação de Yiannis Papadopoulos, credível na progressiva debilitação física e psicológica, encarnando mais uma figura tridimensional - simultaneamente vulnerável e obstinada, enigmática q.b. - do que um mártir dos tempos modernos. A energia e intensidade desta parceria faz de "Boy Eating the Bird’s Food" uma primeira obra transgressora como poucas (e não só por ter uma sequência explícita de masturbação com remate eventualmente mais controverso), embora nada forçada, tão demolidora na abordagem à pobreza envergonhada como no cinema em estado bruto que a acompanha.
3,5/5