Em nome dos pais
Os primeiros minutos de "Como Um Trovão" agarram-se (e agarram-nos) à personagem de Ryan Gosling e reforçam as suspeitas de uma tendência para o typecasting. À primeira vista, o actor mantém aqui os traços dos protagonistas de "Drive - Risco Duplo" e "Só Deus Perdoa", que pareciam delinear uma imagem de marca vincada por uma postura circunspecta e viril, com um underacting traduzido em poucas conversas e explosões de violência ocasionais.
A diferença é que neste drama (trágico q.b.) em três actos quem está atrás das câmaras não é Nicolas Winding Refn mas Derek Cianfrance, revelado em "Blue Valentine - Só e Eu" e mais interessado em figuras de carne e osso do que em arquétipos. Por isso, o Luke de Gosling, motard do poço da morte tornado assaltante de bancos, afasta-se do cartoon estilizado (apesar de não dispensar o casaco de couro) e ajuda a dar peso emocional a um filme intrincado e ambicioso, tanto na duração (mais de duas horas) como no desafio narrativo e questões colocadas às personagens e ao espectador.
Depois de mergulhar a fundo nos abismos de uma relação conjugal, o realizador norte-americano pega numa saga de pais e filhos atravessada por ironias do destino, dilemas morais e sentimentos de culpa, vingança ou redenção. A América profunda surge como cenário deste contraste entre vencedores e vencidos e Cianfrance é tão hábil no retrato comunitário que até consegue tornar credível uma Eva Mendes inesperadamente desgrenhada. E essa nem é a maior surpresa do elenco: Bradley Cooper, na ressaca da trilogia que o celebrizou, pode não ter o carisma de Gosling mas veste muito bem a pele de um polícia numa encruzilhada ética e profissional.
A intriga policial ou alguns momentos do terceiro arco narrativo são mais convencionais do que o tal arranque com Gosling, dominado por uma energia (cinética e dramática) capaz de tornar os minutos iniciais, entre piruetas de motas no poço da morte, em sequências de antologia. Mas não é por ficar aquém do clássico a que parece candidatar-se que "Como Um Trovão" fica de fora da lista de filmes a ver numa temporada inundada de estreias - até porque nem todas confirmam um realizador sensível, honesto e a ter debaixo de olho...
3,5/5