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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Oh, Carol, o que é que te fizeram?

Apesar de ser o primeiro filme da Marvel protagonizado por uma mulher, "CAPITÃO MARVEL" é das aventuras mais genéricas deste universo, arriscando-se a ficar como mero tapa-buracos numa cronologia em movimento contínuo. Um desperdício de recursos, começando pelo elenco...

 

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E ao 21º filme, o Universo Cinematográfico Marvel (MCU) apostou numa história centrada numa super-heroína. Já vem tarde, mas mesmo assim a euforia promocional de um dos blockbusters mais aguardados da temporada não se tem cansado de destacar a suposta emancipação e costela feminista - que na BD já está, felizmente, muito longe de ser novidade.

 

O problema é que, tirando o género da protagonista, "CAPITÃO MARVEL" (custava muito ter mantido o feminino na tradução do título?) limita-se a ser um desfile de mais do mesmo no campeonato dos super-heróis no grande ecrã. Não ajuda que o que o que há uns anos passava por surpreendente esteja agora mais do que estafado, mas mesmo assim era legítimo esperar um pouco mais do que a receita do costume, desta vez com uma mulher à frente dos acontecimentos.

 

A sensação de oportunidade perdida sai reforçada quando Carol Danvers, a Capitã Marvel, parece mais um emblema a exibir a favor da diversidade do que uma personagem de corpo inteiro. O filme mostra quase sempre mais o símbolo do que a mulher, com Brie Larson a nunca conseguir ir muito além de uma marioneta que tem de unir as histórias que já vimos e as que se seguem - entre referências ao passado de Nick Fury e da S.H.I.E.L.D. e o próximo desafio dos Vingadores, na Guerra Infinita.

 

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Não é que as ideias que "CAPITÃO MARVEL" vai lançando sejam necessariamente más. Só que as vertentes da história de peixe fora de água, de buddy movie e de saga cósmica seguem sempre pelo caminho mais rotineiro, em duas horas que nunca conseguem encontrar um centro narrativo e emocional. O resultado não é tanto o desastre absoluto mas a indiferença quase total, motivada por sequências de acção sem chama, CGI pouco convincente, humor fraco e preguiçoso (estamos mal quando é preciso insistir nos encantos de um gatinho), riscos quase nulos (a protagonista é tão poderosa que nenhuma ameaça chega verdadeiramente a emergir) e alusões despropositadas à crise dos refugiados (quando nem a componente feminista é trabalhada de forma interessante, para quê seguir também por aqui?).

 

Ao situar a acção nos anos 1990, o filme sugere, pelo menos, alguma tentativa de singularidade. E admita-se que uma banda sonora com clássicos dos Garbage, Elastica ou Hole não será a mais expectável numa aventura da Marvel. Ainda assim, referências musicais como essas (ou aos Nine Inch Nails, PJ Harvey ou Smashing Pumpkins) ficam como acessos fugazes de uma personalidade que não chega a impor-se em todos os outros aspectos. E a nostalgia também oferece um dos momentos mais frustrantes quando "CAPITÃO MARVEL" aposta num tema dos No Doubt e destrói por completo qualquer tentativa de tensão numa sequência de combate.

 

Opções constrangedoras como essa sublinham que Anna Boden e Ryan Fleck, dupla que já tinha colaborado no óptimo "Half Nelson - Encurralados" ou no simpático "É uma Espécie de... Comédia", está muito mais à vontade na comédia dramática indie do que no universo dos super-heróis de grande escala. Aqui a realização é indistinta e parece atirar dois nomes promissores para a lista de tarefeiros de Hollywood, com a força da máquina da Marvel a impor-se a qualquer visão pessoal - além de que há muitos episódios de "Agentes da S.H.I.E.L.D." francamente mais inventivos, arriscados e divertidos do que estas duas horas.

 

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Se qualquer marca autoral sai anulada, a presença dos actores também raramente chega a sentir-se. Brie Larson não sai favorecida pelo argumento, é certo, mas para além disso deixa dúvidas de que seja a melhor escolha para Carol Danvers - Charlie Theron e sobretudo Emily Blunt provavelmente seriam uma Capitã Marvel com mais garra e carisma. A protagonista tem, ainda assim, alguma química com Samuel L. Jackson, embora este encarne uma versão de Nick Fury que não só é mais jovem como às tantas se afasta de qualquer caracterização anterior da personagem (e mais tosca do que cínica). Annette Bening e Jude Law são amplamente desperdiçados em figuras ainda mais esquemáticas e Djimon Hounsou ou Gemma Chan quase ficam reduzidos a figurantes (incompreensível, a presença de ambos no cartaz promocional). Sobra Ben Mendelsohn, a fazer o que pode com o pouco que lhe dão (apesar de tudo, faz mais do que em "Rogue One: Uma História de Star Wars" ou "Ready Player One: Jogador 1") e principalmente Lashana Lynch, com uma entrega muito maior do que a que o filme merece (e elemento-chave para que a protagonista consiga revelar alguma vulnerabilidade emocional). Já Clark Gregg, mais inexpressivo do que nunca, não mostra ser actor capaz de aguentar o salto para o grande ecrã

 

Decididamente, as maravilhas do cinema de super-heróis dos últimos tempos parecem ter saído da animação: "The Incredibles 2: Os Super-Heróis" e "Homem-Aranha: No Universo Aranha" provaram que ainda pode haver vida nestas aventuras, tanto na narrativa como nas caracterizações ou na energia visual. "CAPITÃO MARVEL", por outro lado, não faz nada pelo bom nome do género e só vem dar razão aos detractores - mesmo que os seus ingredientes ainda pareçam ter a receita para o sucesso nas bilheteiras.

 

1,5/5

 

 

Mulheres à beira de um ataque de nervos

Três das primeiras estreias do ano dão conta dos regressos de Maggie Gyllenhaal, Felicity Jones e Natalie Portman ao grande ecrã. Mas "A EDUCADORA DE INFÂNCIA", "UMA LUTA DESIGUAL" e "VOX LUX" são filmes de interesse muito variável...

The Kindergarten Teacher - Still 1

"A EDUCADORA DE INFÂNCIA", de Sara Colangelo: Estudo de personagem ambíguo e obsessivo, este drama que adapta "Haganenet" (2014), filme do israelita Nadav Lapid (que não teve estreia comercial em Portugal), oferece a Maggie Gyllenhaal um dos maiores desafios do seu percurso. E ela mostra estar à altura na pele de uma mulher cujo quotidiano rotineiro, com uma vida familiar e profissional em ponto morto, tem direito a novo fôlego a partir do deslumbre pelo potencial artístico (e literário e poético em particular) de uma das crianças do jardim de infância onde trabalha. À medida que esse fascínio inicial ganha intensidade e começa a dominar o dia-a-dia da protagonista, a realizadora não teme ir movendo o filme para zonas de sombra, embora com a sobriedade a impor-se a tentações de sensacionalismo (o que é especialmente assinalável num olhar sobre a exploração infantil). E da fuga para a frente da personagem de Gyllenhaal, sempre esquiva tanto para o espectador como para os que a rodeiam, nasce um retrato melancólico e adulto da frustração, sem julgamentos nem clichés do thriller psicológico (território do qual a acção se aproxima na recta final). Muito bem defendida por uma actriz capaz de traduzir essa ansiedade e inquietação, está aqui uma das boas surpresas recentes do cinema independente norte-americano - e uma nova chamada de atenção para uma cineasta depois da sua primeira longa-metragem, a pouco vista "Pequenos Acidentes", de 2014.

3/5

Felicity Jones stars as Ruth Bader Ginsburg in Mimi Leder's ON THE BASIS OF SEX, a Focus Features release.

"UMA LUTA DESIGUAL", de Mimi Leder: Não há nada de especialmente falhado neste relato da história (ou parte dela) da juíza Ruth Bader Ginsburg, a segunda mulher e primeira judia a ocupar um cargo no Supremo Tribunal de Justiça dos EUA. Mas como em tantos outros biopics, também não há nada de especialmente inspirado. Admita-se que a perspectiva de Mimi Leder ("Favores em Cadeia", "O Pacificador") nem é tão maniqueísta como parece à partida, já que vai expondo a postura inicialmente exemplar da personagem principal a algumas contradições e tensões com a família ou com outros aliados da sua cruzada contra a discriminação feminina. Só que nem essa ambivalência ocasional chega para tornar muito estimulante uma narrativa formatada e sem grandes ideias de realização, apesar da óbvia competência de recursos - dos cenários impecavelmente polidos a alguns diálogos certeiros ou a interpretações que não comprometem. Felicity Jones até consegue ir mostrando a mulher por trás do símbolo, ainda que o argumento não lhe dê tantas oportunidades como ela ou Ginsburg merecem - ocupado entre saltos temporais ou a impor a mensagem (meritória e pedagógica) às personagens (maioritariamente esquemáticas). Armie Hammer, que nas primeiras cenas parece limitar-se a repetir a pose de "Chama-me Pelo Teu Nome", também convence como a outra metade do "power couple" no centro da história, com uma contenção que ajuda a orientar o percurso obstinado da protagonista. Mas nem o capital de simpatia da dupla eleva o resultado acima de cinema morno, tão bem intencionado como bem comportado, e a fechar com uma sequência que não se distingue muito das de demasiados filmes ou séries de tribunal. Pedia mais garra, esta luta...

2,5/5

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"VOX LUX", de Brady Corbet: O actor que se estreou atrás das câmaras com "A Infância de um Líder" (2015) não faz a coisa por menos: o seu segundo filme chega com a pretensão de deixar "um retrato do século XXI". E não começa mal, no primeiro de três capítulos que acompanha, de forma intrigante q.b., uma adolescente aspirante a cantora que sobrevive um massacre no seu liceu, deixando pistas sobre as ligações que podem nascer entre a tragédia e a arte, a inadaptação e a procura de um rumo (pontes complementadas pela voz off de Willem Dafoe e a banda sonora de Scott Walker). Mas Corbet rapidamente se perde num ensaio sobranceiro que parte da carreira da protagonista, entretanto transformada numa estrela pop planetária, para colocar em cheque o individualismo e a falta de comunicação na era das redes sociais, com um olhar cínico sobre a fama e a sociedade de consumo ao qual não falta, como no arranque, um paralelo com a ameaça terrorista. Infelizmente, "Vox Lux" assenta numa personagem desinteressante e estereotipada, e mesmo que o seu narcisismo e futilidade sejam deliberados, o olhar do realizador sobre ela não é muito melhor. A faceta pessoal e profissional da figura interpretada por Natalie Portman (com uma postura tão afectada como em "Jackie"), na idade adulta, e antes por Raffey Cassidy, que regressa para encarnar a filha desta (com uma interpretação muito mais espontânea), tem uma tensão dramática aquém da que o filme procura e só realça que o seu autor tem pouco a dizer - ou que não encontrou aqui a forma mais conseguida de se expressar. O desenlace sublinha ainda mais a sensação de experiência falhada, ao apontar sugestões de um musical pós-moderno baseado em canções inéditas de Sia, tão medíocres que as cenas em palco chegam a tornar-se penosas. Decididamente, Corbet não faria mal em afinar a voz criativa...

1,5/5