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Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

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O caminho das estrelas

depeche_mode_2017

 

Boa parte do que se tem dito sobre o último álbum dos DEPECHE MODE passa pela vertente política acentuada, mas "Spirit" até é mais interessante quando se concentra no universo individual. E nem é preciso ir mais longe do que "COVER ME", uma das melhores canções de um disco que dificilmente ficará entre os clássicos do trio britânico.

 

A arrancar em modo bluesy antes de se entregar a um instrumental que reforça os sintetizadores, e apresentando um Dave Gahan em óptima forma, a canção mostra que a banda ainda é a mais credível a trabalhar a fórmula que instituiu. Essa personalidade sai ampliada no videoclip, nova colaboração com o cúmplice Anton Corbijn, e o resultado pode ser visto como um sucessor temático e espiritual do clássico "Enjoy the Silence".

 

Tal como nas imagens do hino de "Violator" (1990), o vocalista está no centro de uma viagem que parte agora das ruas quase desertas de Los Angeles para uma nave espacial. O rei deu lugar ao astronauta, mas a solidão em modo contemplativo mantém-se, agora a preto e branco:

 

 

"COVER ME" é o novo single extraído do álbum e abre caminho para a edição de várias remisturas em formato digital, CD e vinyl a 6 de Outubro. Entre os nomes que as assinam destacam-se as Warpaint, Ellen Allien, Erol Alkan ou Josh T. Pearson.

 

Onde está a revolução, Depeche Mode?

O mote para o novo álbum dos DEPECHE MODE foi a revolução, mas "SPIRIT", embora com uma carga política mais marcada do que o habitual no trio britânico, acaba por ser musicalmente conservador.

 

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"Where's the revolution?", perguntava Dave Gahan no single de apresentação do 14º álbum da sua banda de sempre, deixando antever uma costela política mais visível do que o que o que tem sido regra nas suas canções dos últimos anos. Mas essa vertente interventiva está longe de ser inédita nos Depeche Mode, com o próprio tema de avanço a lembrar a certa altura algumas palavras e inquietações de "Stripped" (1986), ainda que o grupo troque agora a televisão pela religião (do desafio de "Let me hear you make decisions/  Without your television" do single clássico de "Black Celebration" passou às questões "Who's making your decisions?/ You or your religion?").

 

Tendo em conta que desde meados dos anos 90 a escrita da banda passou a lidar, de forma quase exclusiva (e a espaços exaustiva), com o universo emocional explorado por Martin Gore (o principal compositor), compreende-se que este novo olhar para a realidade exterior desperte outras atenções e conceda a "SPIRIT" um perfil distinto dos antecessores mais próximos.

 

Boa parte do alinhamento é bastante directo num retrato pouco optimista dos dias de hoje, do arranque ritmado e inflexível de "Going Backwards" ao mais contemplativo "The Worst Crime", com Gahan em modo crooner enquanto enumera uma série de falhanços colectivos ("Blame misinformation/ Misguided leaders/ Apathetic hesitation/ Uneducated readers"). O apontar de dedo de "Scum" é complementado por uma moldura sonora mais tensa, apesar de dançável, mas quer esta quer "You Move", com balanço a fazer jus ao título, destacam-se mais pelas variações na produção (entregue a James Ford, dos Simian Mobile Disco) do que pelas surpresas na composição.

 

depeche_mode_spirit

 

Essa evolução na continuidade já vem de trás (desde "Ultra", de 1997, o último grande álbum dos Depeche Mode?) e a postura mais política de "SPIRIT" não chega, por si só, para mudar muito as coisas. Até porque nem é necessariamente uma vantagem quando algumas letras escorregam em simplismos e lugares comuns, caso da denúncia estafada de "Poorman", talvez a canção mais fraca do disco (acesso bluesy já de si pouco inspirado e a disparar farpas genéricas na linha de "Corporations get the breaks/ Keeping almost everything they make").

 

O próprio "Where's the Revolution", apesar de ser um single eficaz com potencial para crescer ao vivo, é Depeche Mode em piloto automático, mesmo que ancorado numa letra condizente com os tempos de revoltas em redes sociais. Por isso, chega a ser irónico que "SPIRIT" se mostre mais aventureiro ao espreitar territórios intimistas, da cumplicidade ao luar de "Cover Me" (Dave Gahan em grande forma, um novelo instrumental intrigante q.b.) à obstinação de "So Much Love", viragem propulsiva num jogo de luz e sombra.

 

Outros momentos a guardar incluem a aspereza metálica de "Poison Heart", com o blues a revelar-se um aliado seguro, ou o mais sintético "No More (This Is the Last Time)", pop negra embora a recusar um final infeliz. Mas a despedida de "SPIRIT" fica mesmo por conta de "Fail", provavelmente a melhor canção da vertente mais politizada do disco. É uma das duas que Martin Gore interpreta aqui - ao lado da breve e também recomendável "Eternal" - e resume o ponto de situação actual deixado por muitas das anteriores ("Our souls are corrupt/ Our minds are messed up/ Our consciences bankrupt/ Oh, we're fucked").

 

O quadro não é nada auspicioso, mas a forma como a voz se conjuga com os sintetizadores, num tema final de compasso lento e inquietante, ampara parte do derrotismo da letra e deixa no ar a possibilidade de um vislumbre de esperança - ou não fosse este um álbum de uma banda que já nos deixou tantas canções "de fé e devoção". A próxima missa passa por Portugal já daqui a poucos dias - a 8 de Julho no NOS Alive, no Passeio Marítimo de Algés - e "SPIRIT", além de funcionar como pretexto oportuno para o regresso, ainda oferece alguns salmos, como "Fail", que justificam um grande palco e público à altura. Se a revolução sonora ficou pelo caminho, a celebração estará certamente garantida...