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Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Teremos sempre Paris, pelo menos no cinema

De 3 a 13 de Outubro, a FESTA DO CINEMA FRANCÊS celebra 25 anos em Lisboa antes de passar por outras cidades do país até ao final de Novembro. Para iniciar a viagem, ficam cinco sugestões a ver no Cinema São Jorge.

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"O Conde de Monte Cristo", clássico de Alexandre Dumas e Auguste Maquet desta vez adaptado por Alexandre de La Patellière e Matthieu Delaporte, dá início à 25.ª edição da FESTA DO CINEMA FRANCÊS esta quinta-feira, às 20h00, no São Jorge, abrindo portas a uma programação que terá sessões em Almada, Oeiras, Coimbra, Porto, Beja, Viseu, Faro ou Lagos nas próximas semanas.

Embora com menos inéditos do que noutros tempos - a esmagadora maioria das novidades são antestreias -, há convidados como Ladj Ly e Stéphane Brizé ou uma retrospectiva dedicada a Chris Marker, exibida na Cinemateca em Novembro. E também duas novas secções, "Rir à grande e à francesa" e "Uma Língua, Múltiplos Olhares - a coprodução franco-belga", a primeira a dar conta do peso das comédias entre as apostas francesas nas salas. Já as sugestões iniciais abaixo andam quase todas à volta do drama e incluem alguns dos filmes mais aguardados da temporada:

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"A VIDA ENTRE NÓS", de Stéphane Brizé: Depois de uma trilogia dedicada ao mundo laboral (composta por "A Lei do Mercado", "Em Guerra" e "Um Outro Mundo", sempre ao lado de Vincent Lindon), o realizador que também já passou pelo filme de época (em "A Vida de uma Mulher") avança agora para territórios do drama conjugal. Guillaume Canet e Alba Rohrwacher são logo dois bons motivos para espreitar este reencontro de um actor e de uma professora de piano que estiveram juntos no passado e consideram um novo relacionamento amoroso no presente. A sessão, uma antestreia nacional, vai contar com Brizé, que responderá a perguntas do público no fim.

Sexta, 4 de Outubro, às 21h00, no Cinema São Jorge - Sala Manoel de Oliveira

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"OS INDESEJÁVEIS", de Ladj Ly: O realismo social continua a estar no centro da segunda obra do autor de "Os Miseráveis" (2019), um dos filmes-sensação do cinema francês dos últimos anos. Desta vez, o retrato parte do braço de ferro entre uma jovem de origem maliana e o novo presidente da Câmara de Paris, motivado por um projecto de reabilitação de um bairro suburbano que implica a demolição de um grande edifício residencial (maioritariamente ocupado pela comunidade emigrante). Ladj Ly e o actor Alexis Manenti estão presentes na sessão, uma antestreia nacional.

Sábado, 5 de Outubro, às 21h00, no Cinema São Jorge - Sala Manoel de Oliveira

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"VINCENT TEM DE MORRER", de Stéphan Castang: A secção Segunda Chance, dedicada a filmes que já passaram pelas salas nacionais, inclui títulos celebrados como "Anatomia de uma Queda", de Justine Triet, "Jeanne du Barry - A Favorita do Rei", de Maïwenn, ou o incontornável "Os Miseráveis", de Ladj Ly, mas também alguns que tiveram menos atenção do que mereciam. É o caso desta (ainda) rara aposta francesa no cinema de género, ensaio sobre a paranóia no qual o protagonista começa a ser agredido, sem razão aparente, por pessoas com as quais o seu olhar se cruza. De episódios pontuais a ataques de gravidade crescente, o pânico instala-se e essa situação inusitada vai ganhando contornos de epidemia. Dizer mais já será revelar muito sobre esta surpresa engenhosa a meio caminho entre o thriller, o terror e o fantástico.

Segunda, 7 de Outubro, às 21h10, no Cinema São Jorge - Sala 3

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"O SUCESSOR", de Xavier Legrand: Como suceder a "Custódia Partilhada" (2017), uma das estreias mais promissoras do cinema francês dos últimos anos? A resposta demorou algum tempo e chega num filme em que a sucessão, curiosamente, é um tema central. Drama ancorado num director artístico que lida com a morte recente do pai, do qual herdou um problema cardíaco, a segunda longa-metragem de Legrand vai avançando para domínios do thriller e oferece uma mistura de registos que tem sido considerada tão invulgar como a da primeira. Uma das antestreias da Festa a marcar na agenda, portanto.

Sexta, 11 de Outubro, às 19h00, no Cinema São Jorge - Sala Manoel de Oliveira

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"OS NOVOS VIZINHOS", de André Téchiné: Isabelle Huppert integra o elenco de vários filmes desta edição da Festa e entre as novidades está o mais recente de um realizador cuja obra tem tido distribuição irregular nas salas portuguesas ("Les âmes soeurs", de 2023, não chegou cá). À primeira vista, a premissa não anda longe da que conduziu "O Adeus à Noite" (2019), ao partir da cumplicidade entre uma mulher e um homem mais novo abalada por um conflito moral que envolve actividades criminosas. Mas a dinâmica entre a actriz e o argentino Nahuel Pérez Biscayart (actor brilhante em "120 Batimentos por Minutos", de Robin Campillo) dá um interesse acrescido a este drama de contornos sociais que olha para a violência policial e a emigração. 

Domingo, 13 de Outubro, às 18h30, no Cinema São Jorge - Sala Manoel de Oliveira

Do drama à comédia, do campo à cidade

Não têm faltado boas surpresas na 28.ª edição do QUEER LISBOA, com sessões no Cinema São Jorge e na Cinemateca até dia 28 de Setembro. Os primeiros filmes do francês Antoine Chevrollier e da norte-americana Theda Hammel, ambos da secção competitiva de longas-metragens, são prova disso.

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"LA PAMPA", de Antoine Chevrollier: Primeira longa-metragem de um realizador com um percurso até aqui televisivo (foi um dos criadores da elogiada minissérie "Oussekine"), este drama centrado em dois adolescentes na França rural ainda tem marcas pontuais dessa escola no pequeno ecrã: é por vezes algo episódico e até esquemático ao abordar questões que pediam maior fôlego. Mas também abraça, com sensibilidade e um realismo palpável (Chevrollier filmou nos arredores de Angers, a sua cidade natal, o que terá ajudado), um retrato coming of age vincado por um coming out traumático e a deixar marcas evidentes numa comunidade (ainda) conservadora.

Déjà vu? Algum... Não estará certamente aqui uma das propostas mais transgressoras desta edição do festival. Por outro lado, estes tempos de alguns direitos e liberdades pouco garantidos tornam mais urgente um olhar sobre a masculinidade tóxica, a homofobia e pressões paternais ou de grupo, aqui com a particularidade de se centrar não na figura ostracizada, mas no seu melhor amigo (atravessado por outros dramas numa história que também aborda o luto), e de fazer tangentes ao filme de desporto (os protagonistas têm no motocross um dos elos da sua relação fraternal).

Entre ecos do cinema do conterrâneo André Téchiné (vertente rapazes do interior, de "Os Juncos Silvestres" a "Quando Se Tem 17 anos") e narrativamente próxima do recente "Close", de Lukas Dhont (sendo até mais equilibrado do que este), é uma viagem iniciática muito bem conduzida por um elenco coeso, dos jovens Sayyid El Alami e Amaury Foucher (no seu primeiro papel) a veteranos como Damien Bonnard. A passagem aplaudida por Cannes, de onde saiu este ano com três nomeações (incluindo para a Queer Palm), reforça o embalo de uma estreia promissora.

3/5

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"STRESS POSITIONS", de Theda Hammel: E se a neurose (em tempos) nova-iorquina de Woody Allen se cruzasse com o surrealismo delirante e excêntrico de Gregg Araki? A resposta não estará necessariamente nesta comédia com tanto de ácido como de burlesco, mas esses universos são pistas possíveis para a primeira longa-metragem de uma realizadora que conjuga o cinema com a criação musical (assinando aqui a banda sonora) ou podcasts.

Theda Hammel encarrega-se também do argumento (ao lado do actor Faheem Ali) e da montagem, integrando ainda o elenco deste recuo até Brooklyn em dias confinados, com a pandemia a trazer mais uma camada de ansiedade a um grupo de personagens já de si emocionalmente instáveis. Tudo parte da chegada de um adolescente marroquino à casa do seu tio em Nova Iorque, onde recupera de um acidente ligeiro, e da curiosidade que o novo inquilino desperta junto de alguns amigos do anfitrião.

A estadia é o rastilho para um caos de relacionamentos, ambições, disputas e preconceitos colocados em cheque num filme que não poupa ninguém. Hammel dispara em todas as direcções, não olhando a género, orientação sexual, etnia, religião ou condição social ao desenhar uma farsa tão hilariante como desconfortável.

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Quem procurar uma proposta de diversidade polida e bem-comportada terá outras opções, esta não teme apontar o dedo ao individualismo, narcisismo, voyeurismo, privilégio ou pânico do envelhecimento ancorando-se na comunidade LGBTQIA+. Até porque a autora, artista trans, faz parte dela e parece conhecer muito bem o microcosmos do seu bairro, conferindo às personagens ambiguidade suficiente para não as tornar marionetas da sua tese.

A nível formal, o resultado é mais desafiante do que muitas comédias nova-iorquinas, com as duas narrações em off, aposta arriscada mas certeira, a conferirem uma gravidade inesperada pela justaposição hábil de passado e presente. E embora não seja difícil encontrar pontas soltas neste retrato com cáustico e caótico (nomeado para o grande Prémio do Júri no Festival de Sundance), vale muito a pena descobrir aqui uma nova e muito idiossincrática voz do cinema norte-americano.

3,5/5