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Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Filmes, séries, discos, canções e concertos: 58 de 2023

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A carta de amor à sétima arte de Damien Chazelle (que Hollywood não soube acolher). O regresso ao grande ecrã da saga do Homem-Aranha que interessa. A melancolia de Mario Martone e Mikhaël Hers, a urgência de Kurak Günler e Yvan Attal. Uma temporada promissora para o cinema de animação que se faz por cá. A despedida agridoce de "A Maravilhosa Sra. Maisel", a surpresa de "Fleishman em Apuros" e a confirmação de "Somebody Somewhere" e "Reservation Dogs". A pop electrónica no feminino via Zanias, Chasms, Liela Moss ou Billy Nomates. O regresso dos dEUS, grandes em disco e ao vivo. O passo em frente de Ana Lua Caiano e Cláudia Pascoal, a revelação HADESSA, a persistência de Victor Torpedo e o melhor disco de Stereossauro (ao lado de Ana Magalhães, outra revelação). Emily Haines e Letrux, rainhas do palco.

A sucessão de memórias podia continuar, embora estes já sejam exemplos suficientes do muito e bom que houve a reter do cinema, séries e música do primeiro semestre de 2023 (pré-"Barbenheimer", portanto, mas ainda assim com Margot Robbie entre os destaques). A lista abaixo deixa mais umas dezenas a (re)descobrir, tanto de dentro como de fora de portas, enquanto a rentrée não traz mais novidades de peso. De qualquer forma, pelo menos em relação aos filmes, o ano já parece estar ganho, com várias estreias que não destoariam num top 10 de Dezembro (e que provavelmente vão lá estar):

10 FILMES

A Acusação.jpg

"A Acusação", Yvan Attal
"A Água", Elena López Riera
"As Oito Montanhas", Felix Van Groeningen e Charlotte Vandermeersch
"Babylon", Damien Chazelle
"Dias em Chamas", Kurak Günler
"Holy Spider", Ali Abbasi
"Homem-Aranha: Através do Aranhaverso", Joaquim dos Santos, Kemp Powers e Justin K. Thompson
"Nostalgia", Mario Martone
"O Azul do Cafetã", Maryam Touzani
"Os Passageiros da Noite", Mikhaël Hers

3 FILMES PORTUGUESES

Os Demónios do Meu Avô.jpg

"Ice Merchants", João Gonzalez
"Os Demónios do Meu Avô", Nuno Beato
"Vadio", Simão Cayatte

5 SÉRIES

Fleishman em Apuros.jpg

"Fauda" (T4), Netflix
"Fleishman em Apuros" (T1), Disney+
"Reservation Dogs" (T2), Disney+
"Somebody Somewhere" (T2), HBO Max
"A Maravilhosa Sra. Maisel" (T5), Prime Video

10 DISCOS

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"CACTI", Billy Nomates
"Chrysalis", Zanias
"Follow the Cyborg", Miss Grit
"Glimpse of Heaven", Chasms
"How to Replace It", dEUS
"Internal Working Model", Liela Moss
"Love Lines", Nuovo Testamento
"Married in Mount Airy", Nicole Dollanganger
"Pre-Code Hollywood", Jonathan Bree
"Radical Romantics", Fever Ray

5 DISCOS NACIONAIS

Cláudia Pascoal.jpg

"!!", Cláudia Pascoal
"FORTUNA", HADESSA
"Se Dançar É Só Depois", Ana Lua Caiano
"Tracy Vandal Plays Victor Torpedo", Victor Torpedo & Tracy Vandal
"Tristana", Stereossauro

10 CANÇÕES

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"As feras, essas queridas", Letrux
"Closing", Zanias
"Come and Find Me", Liela Moss
"Glimpse Of Heaven", Chasms
"Heat", Nuovo Testamento
"How to Replace It", dEUS
"Live Again", The Chemical Brothers feat. Halo Maud
"My Darling True", Nicole Dollanganger
"Retributions Of An Awful Life", Heartworms
"Times Square", Jam City feat. Aidan

Vão mais 10? É seguir por aqui:

10 CANÇÕES NACIONAIS

Strond.jpg

"Artificial", Filipe Keil
"Bandeiras", Bandua
"Dedos da Mão", HADESSA
"Library Loudness", Strond
"Lugar II", Cláudia Pascoal
"Nome de Mulher", Stereossauro feat. Ana Magalhães
"Se Dançar É Só Depois", Ana Lua Caiano
"The rabbit hole", Birds Are Indie
"Tour de Force", Moullinex
"Viver", SAL

Mais 10 da prata da casa:

5 CONCERTOS

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Bandua no Lux
dEUS no Coliseu de Lisboa
Letrux no Musicbox Lisboa
Lisbon Poetry Club no Fórum Cultural do Seixal
Metric no Live Music Hall, Colónia

A neta pródiga (e um filme prodigioso)

2023 está a revelar-se um ano feliz para o cinema de animação português e um dos bons exemplos disso ainda pode ser testemunhado nas salas. "OS DEMÓNIOS DO MEU AVÔ", a primeira longa-metragem de Nuno Beato e também a primeira que se fez por cá em stop motion, merece um público dos 7 aos 77 (e mais além).

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Depois da muito celebrada "Ice Merchants", a curta-metragem de João Gonzalez que ganhou lugar na corrida aos Óscares (com toda a justiça, diga-se), e de "Nayola", a aguardada longa de José Miguel Ribeiro ("A Suspeita"), o ano cinematográfico volta a acolher uma produção nacional de animação, vinda de um dos nomes que mais se tem distinguido no género - sobretudo como produtor através da Sardinha em Lata, mas também já com experiências na realização, caso da bem acolhida "Mi vida en tus manos" (2009).

"OS DEMÓNIOS DO MEU AVÔ", que chegou às salas nacionais depois de ter tido nomeações no Festival de Annecy (onde passou em antestreia mundial) ou nos Goya, é um filme que merece ser visto em vários ecrãs do mundo sem precisar de abdicar de uma clara identidade portuguesa. Tendo o interior nortenho como inspiração, esta história que viaja da cidade para o campo - a localidade fictícia de Vale de Sarronco - propõe um regresso às origens da protagonista, uma jovem adulta que interrompe o frenesim profissional quando tem de se confrontar com a morte do avô, a figura que mais a acompanhou durante a infância e a adolescência.

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Mas esse é só o primeiro confronto de muitos num remoer de memórias pessoais, familiares e comunitárias, entre fantasmas (ou antes demónios) do passado e a estranha animosidade dos habitantes da aldeia que recebem esta neta pródiga - alguns com duas pedras na mão, de forma quase literal.

De heranças inesperadas a ressentimentos antigos com eco palpável no presente, este mergulho interior (em mais de um sentido) encara o campo como cenário sem grande serenidade pastoral. O argumento de Cristina Pinheiro e Possidónio Cachapa evita estereótipos bucólicos e convoca tormentos com sugestões sobrenaturais e oníricas, do fantástico e até do terror, em boa parte graças à presença sinuosa de figuras de barro descendentes da obra de Rosa Ramalho.

Arrancando com animação digital 3D, apropriada à frieza e ritmo acelerado dos ambientes urbanos, "OS DEMÓNIOS DO MEU AVÔ" transita habilmente para a técnica stop motion (fotograma a fotograma) assim que a acção se instala em Vale de Sarronco - o episódio da chegada é, aliás, uma das cenas de antologia, a abrir a porta à capacidade de maravilhamento artesanal que o filme consegue ir mantendo.

Os Demónios do Meu Avô 2.jpg

Da fotografia de tons alaranjados e sépia de Celia Benavent a uma banda sonora de alma anciã com a contribuição dos Gaiteiros de Lisboa, todos os pormenores contam para a singularidade de um olhar sobre o reencontro e a redescoberta desenhado com esplendor visual e sensibilidade emocional - as vozes de Victoria Guerra, António Durães ou Ana Sofia Martins também ajudam.

Nesta valorização da tradição, "OS DEMÓNIOS DO MEU AVÔ" talvez force a nota quando tenta promover a "desintoxicação" virtual (sobretudo através da personagem um colega de trabalho da protagonista) e o desfecho não escapa a algumas conveniências de argumento. Mas esses são detalhes mais do que compreensíveis numa primeira longa-metragem que, no essencial, dá provas de uma segurança impressionante. Um marco criativo a celebrar, inaugurando com rasgo e personalidade um capítulo de viragem no cinema que se faz dentro de portas.

3,5/5