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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Alice ainda mora aqui, mas...

 

Já se sabe que o óptimo é inimigo do bom. Por isso, um bom concerto dos Crystal Castles, como o deste domingo no TMN ao Vivo, em Lisboa, perderá sempre na comparação com as passagens anteriores da dupla canadiana pela capital - ou fora dela, incluindo as duas actuações em Paredes de Coura.

Não faltaram, entenda-se, óptimos momentos ao longo de quase hora e meia. Mas é irónico que, num regresso motivado pelo lançamento do seu álbum mais coeso, "(III)" (esse sim, óptimo), Alice Glass e Ethan Kath tenham apresentado o seu concerto mais disperso. Até aqui tinham-se mostrado uma banda ligada à corrente dos primeiros aos últimos minutos, ontem deram um concerto com demasiadas quebras de ritmo. A certa altura, já era difícil dizer se as quebras eram na verdade opção artística ou imprevistos técnicos, como no arranque perro de "Sad Eyes" (canção que não chegou a recompor-se com a pujança merecida) ou num "Reckless" a lançar um pico de intensidade que se extinguiu, de forma igualmente repentina, poucos segundos depois.

 

"(III)" pode ter sido o pretexto para a visita, mas esteve longe de ser o destaque da noite. O alinhamento, em registo best of, fez sentido para quem ontem se iniciou nos concertos dos Crystal Castles - e ainda terão sido muitos, tendo em conta que boa parte do público era de uma faixa etária sub-20 (ou até sub-16). Para os mais familiarizados com a dupla ao vivo, houve pouco a descobrir: pouco (menos de metade) do novo álbum, poucas reinvenções dos anteriores. Kath protagonizou um momento de medley em formato live act, com colagens de "Vanished", "Untrust Us" ou "Violent Youth", enquanto que "Doe Deer", numa versão ainda mais despachada do que em disco (e com a voz de Alice Glass completamente sufocada), foi o ex libris na vertente de trip visual (com um disparo alucinante de luzes de cores vivas).

 

De resto foi a eficácia habitual e inegável, sem o factor surpresa e numa versão ligeiramente mais moderada. Houve crowdsurf, claro, saltos com gritos e braços levantados em simultâneo, como também não poderia deixar de ser, e Glass não resistiu a mergulhar num mar de mãos - mas mostrou-se, ainda assim, menos explosiva do que aquilo a que nos habituou. A agitação do público foi, aliás, pelo menos metade do espectáculo - às vezes mais, como em "Telepath", quando uma nuvem de fumo eclipsou o palco -, e não há muitas bandas que continuem a instigar este desvario colectivo (ainda mais impressionante numa sala repleta). Felizmente, foi também um público tão agitado como civilizado, sem os comportamentos menos ilustres que tiraram algum brilho à última passagem da banda por Paredes de Coura.

 

Já deste regresso dos Crystal Castles a Lisboa o que ficou foi, sobretudo, a inevitável "Celestica" (que ontem voltou a parecer a canção mais bonita do mundo), a estupenda euforia de "Black Panther" (com público e banda muito bem sintonizados) ou o aquecimento tempestuoso, como convém, a cargo de "Plague" e "Wrath of God", arranque que prometia um concerto guiado pela progressão e não tanto pela repetição.

 

 

A banda sonora do fim do mundo

 

Sobreviveram à euforia (muitas vezes vazia) da new rave, rótulo que nunca reclamaram, e a várias outras modas hipster. Hoje há quem os considere witch house, rótulo que também começou com uma piada e que continua a ser limitador para englobar a música dos Crystal Castles.

 

Neste caso, felizmente, não há dois sem três e o novíssimo "(III)" é mais um grande disco, capaz de manter a fasquia elevada dos anteriores sem nunca jogar pelo seguro. Um aplauso mais alargado ao regresso de Alice Glass e Ethan Kath pode ler-se aqui, na crítica que deixei no SAPO Música.