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Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Como resolver o problema que é Jocelyn? (feat. The Weeknd)

É das séries mais faladas das últimas semanas, e raramente pelos melhores motivos. Mas embora com altos e baixos, os primeiros episódios de "THE IDOL", aposta da HBO Max, são mais intrigantes e arriscados do que muitas novidades da concorrência deste Verão.

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Desde a estreia na mais recente edição do Festival de Cannes, em Maio, não têm faltado críticas à suposta misoginia, objectificação feminina, cenas de sexo gratuitas e até promoção de relacionamentos tóxicos da série criada por Sam Levinson (autor da sobrevalorizada "Euphoria" e do interessante "Malcolm & Marie"), Reza Fahim e Abel Tesfaye (AKA The Weeknd), este último a encarnar aqui um dos protagonistas. E é verdade que o arranque da série de seis episódios não se coíbe de pisar a linha do softcore enquanto propõe um mergulho nos bastidores do estrelato, e em particular da indústria musical, a partir do relacionamento entre Jocelyn, uma jovem cantora pop em crise (Lily-Rose Depp), e Tedros, o enigmático dono de um clube nocturno que a seduz repentinamente (The Weeknd).

Mas se poderá apontar-se que o argumento não trata esse relacionamento com grande espessura dramática, nem sequer com grande verosimilhança, também não se percebe em que medida é que legitima e romantiza a manipulação e abuso (físico e psicológico) da protagonista feminina por parte do seu novo amante, como têm denunciado tantas vozes (sobretudo da imprensa norte-americana).

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O olhar de "THE IDOL" segue mais as pisadas ambíguas de um Paul Verhoeven (não por acaso, "Instinto Fatal", filme que gerou escândalo por um descruzar de pernas antes de ser reavaliado como thriller irónico e subversivo, é revisitado no primeiro episódio) do que de subprodutos proto-chocantes da linha de "As Cinquenta Sombras de Grey", por muito que a personagem de Tesfaye seja a menos conseguida da série até agora - a interpretação inexpressiva não ajuda - e que o arco conjugal fique aquém do que se concentra nos meandros do showbiz.

Mas se o músico tornado actor não convence (aguardemos, ainda assim), Lily-Rose Depp agarra muito bem uma personagem que rapidamente se afasta do estereótipo tentador de estrela fútil e caprichosa. Mérito da própria, capaz de traduzir a vulnerabilidade de alguém que lida com uma fase depressiva após a perda da mãe e o cancelamento de uma digressão, e de um argumento que a coloca, sem condescendências, no centro de um conflito entre a esfera pública e privada, a liberdade pessoal e artística e as pressões dos managers, editora, jornalistas e redes sociais.

Apesar de a equipa que está à volta da protagonista surgir, no primeiro episódio, como um grupo de profissionais pronto a disparar farpas e a vincar o tom de comédia cáustica, no segundo capítulo cada personagem vai ganhando nuances e dando conta da forma específica como se relaciona como a cantora.

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Hank Azaria, Jane Adams ou Da'Vine Joy Randolph afastam-se assim da caricatura parasitária e destacam-se num elenco valioso que inclui, além de The Weeknd, outras figuras da música - curiosamente, saem-se todas melhor do que ele. É o caso de Troye Sivan, como afável director criativo de Jocelyn; de Jennie Ruby Jane (das Blackpink), a interpretar uma competentíssima bailarina prestes a tornar-se algo mais; e em especial de um surpreendente Moses Sumney, na pele de um amigo de Tedros igualmente excêntrico e misterioso.

Inspirado em alguns dos capítulos mais conturbados de celebridades como Britney Spears e filmado com arrojo e sofisticação visual (goste-se ou não da estética de Sam Levinson, não se confunde com a marca branca de demasiada oferta do streaming), "THE IDOL" não tem grande chama como romance ou thriller erótico mas acerta muitas vezes quando opta pela sátira assente no oportunismo e voyeurismo. E nos momentos mais certeiros lembra o rasgo de "Babylon", outro retrato incompreendido do peso e vicissitudes da fama - a sequência da gravação de um videoclip não anda longe de um episódio de antologia vivido por Margot Robbie no brilhante filme de Damien Chazelle. Espera-se, ainda assim, que Jocelyn tenha um desfecho mais reluzente do que a dessa outra jovem protagonista caída em desgraça...

Os dois primeiros episódios de "THE IDOL" estão disponíveis na HBO Max desde 5 de Junho. A plataforma de streaming estreia um episódio todas as segundas-feiras.

Uma amizade inevitável

"PLATONIC" podia ser uma comédia romântica, mas a dupla protagonista da nova aposta da Apple TV+ não chega a ultrapassar a fronteira entre a amizade e o amor. Pelo menos nos primeiros episódios de uma série que se revela sedutora, mesmo sem despertar o entusiasmo de uma paixão assolapada.

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Em equipa que ganha não se mexe, o que ajudará a explicar porque é que Nicholas Stoller recuperou o par protagonista das suas comédias "Má Vizinhança" (2014) e "Má Vizinhança 2" (2016) para a série que criou ao lado da mulher, Francesca Delbanco.

Seth Rogen e Rose Byrne surgem, mais uma vez, a liderar o elenco uma história sobre relacionamentos contemporâneos com doses generosas de humor, ainda que agora não na pele de amantes mas de amigos. Ou melhor, de antigos amigos dos tempos da universidade que a vida, e em especial um desentendimento, acabaram por separar até ao dia, anos depois, em que os seus destinos voltam a cruzar-se. E a amizade é reatada, numa fase já com rotinas familiares e profissionais bem distintas e ameaças da crise de meia-idade.

Amizade ou algo mais? O ponto de partida de "PLATONIC" é claro: a série quer debruçar-se sobre a possibilidade de um homem e uma mulher serem amigos sem tentações de envolvimento amoroso ou sexual, questão que está longe de ser novidade, mesmo no contexto de uma comédia romântica, embora nem por isso deixe de ser promissora.

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Qualquer lembrança de "Um Amor Inevitável" (1989), o icónico filme de Rob Reiner protagonizado por Meg Ryan e Billy Crystal, não será pura coincidência: no primeiro episódio as personagens fazem uma menção a essa comédia romântica, a preferida de muito boa gente, mas os primeiros três capítulos, estreados esta semana, deixam sinais de uma série que segue o seu próprio caminho.

A haver comparações próximas, até será com a escola de Judd Apatow, não só pela presença de Rogen, um dos cúmplices do autor de "Um Azar do Caraças" (2007), mas também pelo humor desbragado e pelas situações absurdas nas quais os protagonistas se envolvem.

Rogen nem se afasta, aliás, da imagem de homem que não quer crescer cristalizada pela esmagadora maioria dos seus papéis: aqui é um hipster (ou pós-hipster?) relativamente bem sucedido enquanto gerente de uma cervejaria e a lidar mal com o final de um relacionamento amoroso. Já Byrne tem um casamento estável e é mãe de três filhos, embora não se conforme com uma carreira de advogada consecutivamente adiada. À superfície, faz lembrar a dona de casa desesperada de "Physical", outra aposta da Apple TV+ onde tem brilhado, mas está muito longe da sua acidez e ambiguidade, mesmo que também não dispense tiradas mordazes.

Se individualmente estas personagens não parecem trazer grandes desafios aos actores, é quando se juntam que "PLATONIC" encontra o seu melhor, através de uma química evidente capaz de convencer até quem tinha reservas quanto à credibilidade desta amizade. Uma química que, ironicamente, Byrne não partilha, pelo menos para já, com Luke Macfarlane (recentemente resgatado de telefilmes do Hallmark por "Bros - Uma História de Amor", comédia romântica também assinada por Stoller), que interpreta o seu marido, apesar de o argumento também não lhe dar grande atenção nos primeiros episódios. Nada que comprometa o capital de simpatia inicial por uma das boas surpresas da comédia televisiva de 2023 - com ou sem romance à mistura...

Os três primeiros episódios de "PLATONIC" estão disponíveis na Apple TV+ desde 24 de Maio. A plataforma de streaming estreia um episódio todas as quartas-feiras.