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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

A adolescência continua a ser um lugar estranho

Gods Own Country

 

Apesar de já ter entrado na maioridade há uns anos, o QUEER LISBOA ainda tem nas histórias sobre a adolescência alguns dos seus trunfos mais fortes. Ou pelo menos essa temática continua a ser uma porta de entrada possível na 21ª edição do Festival Internacional de Cinema Queer, que arranca esta sexta-feira no Cinema São Jorge, em Lisboa, e mantém-se por la até dia 23 (tendo ainda actividades paralelas no Museu Nacional de Arte Contemporânea - Museu do Chiado).

 

Com um programa demasiado amplo para se esgotar na anterior denominação de Festival de Cinema Gay e Lésbico, ou mesmo LGTBI, a aposta deste ano (e, a julgar por depoimentos da organização, dos próximos) quer ser ainda mais inclusiva, abraçando uma faceta multidisciplinar e filmes que tentem quebrar barreiras (e com o "queer" a ir além da sexualidade). Esse posicionamento ajudará a explicar a escolha da artista taiwanesa Shu Lea Cheang para o grande destaque de 2017, na secção Queer Focus, com uma retrospectiva que conjuga instalação, performance ou vídeo (e que ao primeiro impacto parece tão experimental como idiossincrática).

 

Fresh Kill

 

Mais "conservadora" será a proposta de "God's Own Country" como filme de abertura. O drama do britânico Francis Lee, que se estreia nas longas-metragens depois de duas curtas e um documentário, não se tem livrado do rótulo de "'Brokeback Mountain' britânico", mas também há quem garanta que essa designação é limitadora, e sobretudo injusta, para esta história de dois rapazes que trabalham numa fazenda no norte de Inglaterra - até porque o filme chega com distinções nos festivais de Sundance e Berlim.

 

Além das secções já habituais (competitivas, Panorama, Hard Nights), regressam duas mostras Queer Pop, dedicadas à videografia de George Michael e a alguma nova música urbana brasileira que nem sempre atravessa o Atlântico. As sessões, ambas aos sábados, são de entrada livre, tal como a masterclass de Colby Keller, actor porno que tem reforçado a faceta activista (não sem alguma polémica, depois de revelar ter votado em Donald Trump) e traz o projecto itinerante "Colby Does America", a testar os limites entre arte e pornografia.

 

Numa edição com quase uma centena de filmes de mais de três dezenas de nacionalidades e vários géneros, é sempre arriscado fazer apostas, mas há que começar por algum lado. E depois da sessão de abertura, sexta-feira às 21h00, estes cinco podem estar entre os bons motivos para ir passando no São Jorge nos próximos dias - enquanto vão deixando, quase todos, novos olhares sobre o lado mais estranho da adolescência:

 

Beach Rats

 

"BEACH RATS", de Eliza Hittman: Foi um dos filmes-sensação do festival de Sundance deste ano, mas, mais do que isso, merece destaque por ser a segunda obra da autora de "It Felt Like Love", de 2013, um relato coming of age tão cru como promissor (e sem direito a estreia nas salas nacionais). A realizadora norte-americana volta a apostar numa história sobre a entrada na idade adulta, mas desta vez no masculino, acompanhando um rapaz dos subúrbios de Brooklyn com uma situação familiar conturbada, sugestões de delinquência e contactos com homens mais velhos pela internet. Entretanto, uma praia parece ser o cenário ideial para uma mudança de rumo...

 

Quand On A 17 Ans

 

"QUAND ON A 17 ANS", de André Téchiné: Os últimos filmes do realizador francês nem sempre têm chegado ao circuito comercial nacional e o que estreou mais recentemente, "O Homem Demasiado Amado" (2014), não era dos mais memoráveis. Mas o que chega cá pelo festival (antes da estreia, já garantida) tem sido apontado por muitos como um regresso à forma do cineasta de "Os Juncos Silvestres" (1994) ou "Não Dou Beijos" (1991), seguindo dois adolescentes do sul de França de origens sociais contrastantes e com uma animosidade acentuada ao primeiro contacto - que entretanto evolui, claro, para outros cenários.

 

Upon the Shadow

 

"AU-DELÀ DE L'OMBRE", de Nada Mezni Hafaiedh: Ao entrar na casa de uma jovem activista, escritora e blogger, este documentário deixa um olhar sobre os excluídos da sociedade tunisina, aqui através de um pequeno grupo que junta homossexuais e travestis. O foco íntimo, sem artifícios e aparentemente caloroso sobre a diferença lembra, à primeira vista, o óptimo "Oriented", que também contava histórias de um grupo de amigos com a sombra da homofobia e foi das melhores surpresas do Queer Lisboa há dois anos.

 

Foreign Body

 

"FOREIGN BODY", de Jassa Gharib: Tal como "Au-Delá de L'Ombre", sugerido acima, há aqui reflexos da revolução tunisina, embora esse seja o ponto de partida não de um documentário mas de uma ficção (mesmo que se trate de um drama realista). No novo filme da autora de "Red Satin" (2002) e "Buried Secrets" (2009), uma mulher parte da Tunísia para França e está no centro de um choque entre espiritualidade e desejo, ao vincar o abismo entre o irmão, islâmico radical, e uma viúva rica para quem passa a trabalhar - e de quem se torna mais próxima.

 

Mae Ha So Uma

 

"MÃE SÓ HÁ UMA", de Anna Muylaert: O novo filme de uma das realizadoras brasileiras mais celebradas dos últimos anos chega depois do especialmente elogiado "Que Horas Ela Volta?" (2015) e foi seleccionado para a sessão de encerramento do festival. A premissa, rocambolesca q.b., envolve um teste de ADN e uma troca de família do protagonista, que descobre a sua mãe biológica na adolescência. Mas Anna Muylaert tornou-se conhecida por saber dar a volta a lugares comuns de telenovelas, juntando aqui o drama familiar a questões de género - e voltando a despertar aplausos dentro e fora de portas.