A arte de um grande concerto
Na estrada com novo álbum na bagagem, os METRIC têm apresentado "Art of Doubt" em palcos europeus e o de Barcelona foi um dos mais próximos de Portugal - por onde os canadianos nunca passaram. Entre as canções recentes e visitas ao fundo de catálogo, mostraram que além de contarem com uma discografia consistente são uma banda ainda mais impressionante ao vivo.
Revelados com "Old World Underground, Where Are You Now?" (2003), embora com um percurso que remonta a 1998, os METRIC estiveram entre a geração de bandas que ajudaram a despertar atenções para o panorama do rock alternativo canadiano de inícios do milénio - ao lado dos Broken Social Scene, Stars ou, claro, Arcade Fire -, e desde aí têm mantido uma das discografias mais confiáveis tanto dessa cena como da que revisitou o pós-punk também na alvorada dos anos 00.
"Art of Doubt", o sétimo e novo álbum, aí está para o provar, e é dos mais aconselháveis de uma carreira que, descontando o antecessor "Pagans In Vegas" (2015), tem sido imune a pontos baixos. Depois de uma viragem electrónica que não convenceu especialmente nem os fãs nem a crítica (e que, não por acaso, foi ignorada no alinhamento do concerto), o quarteto retomou as guitarras num disco que sai a ganhar (e muito!) com o salto para o palco, cenário natural para uma série de canções frenéticas e urgentes - algures entre a new wave dos anos 80 e algum rock dos 90 sem ficarem reféns de exercícios saudosistas.
Como testemunhou quem viu a banda na Sala Bikini, em Barcelona, a 11 de Novembro, os METRIC são uma máquina impecavelmente oleada ao vivo, graças a uma coesão rítmica que tem correspondência à altura na voz e presença de Emily Haines, mestre de cerimónias calorosa e capaz de se encarregar de vários instrumentos ao longo da actuação - da guitarra aos teclados, passando pela pandeireta.
Essa eficácia não será de estranhar num percurso com mais de 20 anos e uma experiência considerável em palcos, mas é bom ver que o grupo mantém um viço a milhas da rotina de alguns contemporâneos. Prova disso foi o arranque do concerto, a cargo de "Love You Back", que nem será das canções obrigatórias de "Art of Doubt" e ainda assim foi mais do que suficiente para um arranque em alta, cortesia da voz expressiva e versátil de Haines e do balanço dançável criado por James Shaw (com uma coolness indefectível na guitarra), Joshua Winstead (mais descontraído no baixo) e Joules Scott-Key (a assegurar que a bateria tem um peso que não se ouve nos discos).
Confiante e imponente em canções como essa ou "Youth Without Youth", outra a marcar a abertura, a vocalista mostrou-se mais vulnerável quando se dirigiu ao público para apresentar "Risk". O tema, explicou, quase ficou de fora do alinhamento da noite por se ter tornado, repentinamente, a canção mais dolorosa de "Art of Doubt". "Quando a compus pensei que se referia a uma situação que tinha ficado arrumada no passado, mas estou a vivê-la novamente no presente", confessou. "A música tem esta característica curiosa, ao partir de emoções. Não há nada de errado com a minha voz hoje, mas o meu coração está despedaçado... por isso torna-se árduo enfrentar estas memórias", explicou.
Foi uma confissão visivelmente desarmante para muitos fãs, mas Haines realçou que decidiu manter o tema no alinhamento porque "sabia que não estava sozinha". E a chuva de aplausos confirmou-o. "Aqui sei que só vou receber amor", assinalou, antes de se entregar a um dos pontos altos de uma noite que soube conciliar energia e emoção ao longo de quase duas horas.
Tal como "Risk", as outras canções da nova colheita - "Dressed to Suppress", "Holding Out", "Now or Never Now", "Dark Saturday" e a faixa-título - foram tão bem recebidas como as antigas, feito não muito habitual em artistas com uma discografia relativamente longa. E foram todas exemplos do lado mais expansivo de "Art of Doubt", a dar conta de uma banda com perfil de estádio embora ainda remetida ao espaço de um pequeno clube. Melhor para quem lá estava e assim pode vê-la bem de perto, numa sala concorrida e com uma sintonia palpável entre os canadianos e o público - o facto de ter sido a estreia dos METRIC na cidade espanhola terá ajudado.
"Como é que demorámos tanto tempo a vir a Barcelona? É tão estúpido, mas somos uma banda pequena e queremos ver o mundo todo... e o mundo é muito grande", sublinhou Haines (as promotoras portuguesas bem podiam aproveitar a deixa para a convidar, que a espera já vai longa). Noutra das ocasiões em que se dirigiu aos fãs, contou que ficou surpreendida quando regressou a "Fantasies" (2009) e redescobriu uma das canções mais obscuras do álbum. "As canções são pequenas cápsulas temporais, mas esta, apesar de já ter uns anos, ilustra bem o mundo disperso de hoje e a forma como o vivemos, entre redes e partilhas", disse.
A tal canção, "Blindfold", uma das mais contidas da noite, foi também daquelas onde a voz mais sobressaiu e brilhou, revelando uma facilidade invulgar de se mover entre a crueza e a doçura. E essa doçura atingiria o ponto de rebuçado em "Gimme Sympathy", um dos maiores hinos dos METRIC e com direito a uma sala cheia como coro. Tão ou mais irresistível, "Black Sheep", da banda sonora de "Scott Pilgrim Contra o Mundo", ficou como combinação exemplar de sentido melódico e apelo rítmico, com uma power pop que levou a uma disseminação de saltos entre o público - Haines deu o mote, como noutras canções em que se mostrou imparável.
Já no encore, "Combat Baby" e "Dead Disco" serviram finalmente clássicos do álbum de estreia, acolhidos (literalmente) de braços abertos e gritados a plenos pulmões pelo público. A segunda canção foi especialmente fulminante, ou não estivesse entre as maiores explosões de adrenalina dos METRIC - enquanto pede emprestado o melhor da atmosfera de densa "A Forest", dos The Cure. Na despedida os braços continuaram no ar, ao ritmo do refrão insistente e galvanizante de "Help I'm Alive", último acesso de energia de um concerto magnético e fervilhante. "Que reina, me encanta!", confessava, eufórico e sorridente, um fã das primeiras filas. E essa terá sido, sem grandes dúvidas, uma opinião consensual depois de se ter visto uma banda no auge, com uma combinação feliz (e invulgar) de veterania e frescura...
4,5/5