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Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

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A cor azul

Homofobia, bullying ou toxicodependência num cenário de pobreza (quase) extrema e sem fim à vista. Parece a receita perfeita para um dramalhão, mas "MOONLIGHT" consegue encontrar alguns oásis no meio do caos - e atira Barry Jenkins para a lista de realizadores a acompanhar no cinema norte-americano.

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Oito nomeações para os Óscares (incluindo Melhor Filme e Melhor Realizador) e o Globo de Ouro de Melhor Filme Dramático são apenas algumas das distinções que tornam a segunda longa-metragem de Barry Jenkis numa das mais aclamadas da temporada. Depois do menos visto "Medicine for Melancholy" (2008), o realizador norte-americano adapta agora a peça de "In Moonlight Black Boys Look Blue", de Tarell Alvin McCraney, inspirada em factos verídicos e rica em temas fracturantes que explicam parte da atenção mediática da qual o filme tem sido alvo.

Mas ao contrário de outros relatos inspiradores de superação da adversidade, presenças habituais na corrida às estatuetas douradas, "MOONLIGHT" vale também (e até mais) pelo olhar de cinema de Jenkis e pelas nuances de um retrato que não fica sufocado pelas muitas problemáticas sociais que vai conjugando. Mais do que um ensaio dado a generalizações fáceis, esta é a história de Chiron, ou pelo menos parte dela, uma vez que o filme a conta através de três capítulos - percorrendo a infância, adolescência e idade adulta -, recorrendo a elipses em vez de a servir de bandeja ao espectador.

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Há quem compare a estrutura narrativa a "Boyhood: Momentos de uma Vida", mas as experiências destas personagens de um bairro pobre de Miami, habitado por uma grande comunidade afro-americana, terão poucos paralelismos com o drama agridoce de Richard Linklater. "MOONLIGHT" não faz cedências ao mergulhar na solidão exasperante de um jovem negro e tímido, com uma insegurança sublinhada à medida que vai sendo obrigar a reprimir quaisquer sinais da sua orientação sexual - num contexto em que a homofobia se insinua desde os primeiros anos e rapidamente resulta em acessos de violência física.

Durante dois terços da sua duração, o filme mostra um realizador seguro no desenho de uma atmosfera realista, dos locais às pessoas, com o calvário de Chiron a tornar-se tão credível como familiar. Tão familiar que o segundo capítulo, talvez o mais agressivo, ameaça escorregar na vitimização e nos lugares comuns de que violência gera violência de outros casos da vida. Felizmente, o terceiro acto permite que o protagonista respire no segmento mais solto e fluído de "MOONLIGHT", a reforçar a languidez pontual das sequências na praia (reais ou oníricas, à noite, forradas com uma fotografia em tons azulados) e a tirar partido do peso dramático que está para trás sem cair no determinismo sugerido em alguns episódios.

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Jenkins deixa o final em aberto e confirma aí que tanto evita julgar como desculpabilizar as suas personagens, tentando compreendê-las sem forçar a empatia do espectador. Ajuda que tenha escolhido um elenco inatacável, desde os três actores que interpretam Chiron em várias fases da vida (e nem precisam de ter feições especialmente similares para fazerem nos acreditar que encarnam a mesma pessoa) a secundários como Janelle Monáe e Naomie Harris (esta a tornar verosímil uma mãe toxicodependente que no papel não se afasta muito do estereótipo). Só é pena que Mahershala Ali não mantenha uma presença tão regular como se esperava, já que tem a seu cargo uma das personagens mais interessantes (e avessa a clichés de retratos sobre dealers), além de um desempenho que sedimenta os de séries como "House of Cards" ou "Luke Cage".

A solidez do elenco compensa algumas opções formais discutíveis, da realização por vezes a forçar a nota na tentativa de crueza (via câmara rodopiante ou epiléptica sem grande critério aparente) à banda-sonora que também teima em impor um tom grave (e às vezes soa a falta de confiança noutros recursos). Hesitações como essas deixam "MOONLIGHT" uns degraus abaixo do estatuto de obra-prima (consideravelmente apregoado, embora não de forma unânime) e quem passou, por exemplo, pelas últimas edições do IndieLisboa ou do QueerLisboa terá visto dramas comparáveis tão bons ou até melhores ("Spa Night" será dos casos mais óbvios e não contou com um décimo da atenção). Ainda assim, se estiver aqui o grande vencedor da próxima edição dos Óscares, será das escolhas mais certeiras da Academia em muitos anos...

3,5/5

 

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