A pele onde Almodóvar vive
Não sendo filme para juntar aos essenciais de Pedro Almodóvar, "JULIETA" revisita temas e ambientes com elegância enquanto sugere que o desbragamento de "Os Amantes Passageiros" foi um episódio fugaz. É mesmo das suas obras mais maduras, para o melhor e para o pior.
As mulheres e os seus universos, os laços familiares mantidos ou quebrados, o salto entre o campo e a cidade, os dias de hoje e os anos 80 (kitsch incluído), o contraste cromático entre sombras e tons garridos (vermelhos, quase sempre), as paixões repentinas com remate obrigatoriamente "caliente"... A viagem do 20º filme de Almodóvar é, muitas vezes, um reencontro (nesta altura inevitável?) com muito do que está no centro do seu cinema, ainda que a revisitação seja feita em lume brando, como tem sido grande parte do seu percurso desde a viragem do milénio.
Mas neste caso, como também tem sido habitual nos últimos filmes do espanhol, a linguagem é mais revista do que propriamente melhorada, porque tirando a contenção - a um nível que talvez já não se via desde o esquecido "A Flor do Meu Segredo", curiosamente também centrado numa mulher de meia-idade -, "JULIETA" não só não acrescenta muito como não conta com a inspiração dos seus melhores melodramas.
Por outro lado, um Almodóvar mediano consegue sobrepor-se a muita concorrência e continua a ter os seus encantos, além de idiossincrasias evidentes. E este, embora adapte três contos de Alice Munro, só podia ser um filme de Almodóvar, pela forma como cruza personagens, tempos e cenários numa história sobre o amor, a culpa, o destino e os acasos (talvez demasiados), e em última instância sobre a relação entre uma mãe e uma filha - e da reconciliação da protagonista com os seus fantasmas quando desiste de se mudar de Madrid para Lisboa à última hora.
O cineasta de "Fala com Ela" continua a saber contar uma história como poucos, mesmo que esta nem seja das mais fortes e apaixonantes. De qualquer forma, a narrativa às vezes telenovelesca e desnecessariamente intrincada nunca deixa de se seguir com interesse, com as várias peças de um puzzle emocional a comporem um misto de drama e suspense sempre escorreito.
Certeiro desde há muito na escolha do seu elenco, e em especial das actrizes, o espanhol volta a sair-se bem ao dar espaço a Emma Suárez e Adriana Ugarte, que encarnam a protagonista no presente e do passado, respectivamente. Julieta, no entanto, insiste em manter-se sempre fechada em si mesma, e se a viagem pelas suas memórias ajuda a explicar porquê, essa opção nunca lhe permite ser tão memorável como outras "chicas" de Almodóvar.
Infelizmente, as personagens secundárias também não são das mais marcantes, e se conseguem fugir à caricatura é mais por mérito dos actores do que do argumento. Ainda assim, vale a pena salientar pelo menos Rossy de Palma, peça fulcral deste novelo de segredos e mentiras e instigadora dos poucos momentos de algum humor. Essas cenas com a cúmplice de longa data de Almodóvar também sinalizam que o filme talvez se leve demasiado a sério durante a maior parte do tempo, faltando-lhe a conjugação perfeita de leveza e densidade de vários antecessores, o riso que costumava amparar as lágrimas.
Mas através do seu romantismo sóbrio, "JULIETA" não é fita que se se esqueça logo à saída da sala e encoraja a seguir o conselho do realizador, que garante que os seus filmes melhoram ao segundo visionamento. E este até dá vontade de lá voltar para deixar apurar a impressão inicial...