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Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

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A rapariga irlandesa

Retrato da viagem geográfica e emocional da protagonista, muito bem defendida por Saoirse Ronan, "BROOKLYN" é a melhor surpresa na corrida ao Óscar de Melhor Filme - mesmo que fique quase sempre aquém da entrega da actriz.

 

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Mais ou menos a meio do novo drama do irlandês John Crowley, Eilis, a jovem conterrânea no centro desta história, caracteriza o ambiente da sua localidade natal como "calmo, civilizado e encantador". E quando aí chegamos já tínhamos dado conta que estes traços, que a protagonista considera qualidades face ao frenesim desnorteante de Nova Iorque, e em especial do bairro que dá título ao filme, também se encontram na mais recente obra do realizador de "Intervalo" (2003) ou "Circuito Fechado" (2013). Mas nem sempre jogam necessariamente a seu favor, porque se é verdade que há aqui um rigor, subtileza e sobriedade que muitos dramas (em especial com romance à mistura) gostariam de ter, dando provas de uma sensibilidade que nunca escorrega para rodriguinhos fáceis, também é quase certo que "BROOKLYN" saltaria para outro patamar com mais algum risco, capaz de o elevar acima da mediania de tantos filmes britânicos "de prestígio" (muitas vezes académicos e mais próximos da televisão do que do cinema).

 

Seja como for, esta adaptação do romance homónimo de Colm Tóibín, com argumento de Nick Hornby, mantém, lá está, um encanto mais determinante do que a inegável competência da reconstituição histórica - da Irlanda e Nova Iorque da década de 1950 -, da direcção artística ou do elenco. Nesta última componente, é difícil não destacar logo Saoirse Ronan, não só pelo papel de protagonista mas sobretudo pela forma como o encarna, com a travessia do Atlântico a acompanhar a viagem iniciática de adolescente a mulher. Quando a falta de perspectivas encoraja a emigração para a terra das oportunidades, Eilis é obrigada a confrontar-se pela primeira vez com a solidão, sem o amparo da família nem grandes garantias de subsistência. E Ronan é magnífica a traduzir essa viragem, muitas vezes só com o olhar, captado por Crowley sem nunca se arrastar para pretensões contemplativas, meditações arty e muito menos para a vitimização. 

 

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Também ela é "calma, civilizada e encantadora", o que não a impede de se tornar numa protagonista intrigante, mesmo que, à imagem do filme, a confiança que vai ganhando seja mais comedida do que ostensiva. Se o realizador merece elogios por valorizar uma personagem (e actriz) assim, não é tão feliz na gestão das restantes, num exemplo de um seguríssimo núcleo de secundários com pouco tempo de antena para mostrarem o que valem. E alguns valem muito, como Emory Cohen, cuja entrada em cena, na pele de um italo-americano bonacheirão, injecta alguma energia ao filme e abre caminho para um casal com uma química rara. Ronan é muito boa sozinha, mas a companhia dele faz tão bem a "BROOLYN" como à sua personagem, assim como ao impacto emocional de uma história que não chega a mergulhar na relação da protagonista com a irmã ou com as colegas de apartamento.

 

Numa altura em que alguns filmes se esticam, sem necessidade, até às três horas de duração ou perto disso - basta olhar para os novos de Iñárritu ou Tarantino -, este talvez tivesse ganho em ultrapassar as duas, já que além dos secundários também parte da experiência de Eilis fica por explorar. A habituação ao quotidiano em Brooklyn, por exemplo, é apresentada de forma demasiado episódica e o próprio olhar de Crowley sobre o bairro poderia ter sido mais pessoal - mesmo nas cenas de interiores, a fotografia luminosa e os adereços imaculados chegam a cortar algum do realismo, embora se aproximem da produção dos filmes de estúdio dos anos 1950, que também parece ser intenção do realizador. Não é que "BROOKLYN" esteja mal nas suas mãos, mas nas de alguém como Joe Wright talvez trouxesse outra lufada de ar fresco aos dramas de época britânicos, como o fizeram "Orgulho e Preconceito" e "Expiação". Curiosamente, este último revelava uma tal de Saoirse Ronan, miúda que era já uma senhora actriz e volta agora a ter um filme que lhe dá a atenção merecida.