A vida é um jogo
Apesar de estarem no seu título, "Amar, Beber e Cantar" nem serão os três verbos dominantes do último filme de Alain Resnais. "Viver" e "morrer" parecem sobressair mais como o par central de uma (falsa?) comédia romântica desenhada a partir de um jogo de outros pares: no caso, três, o número de casais de meia idade do último filme do cineasta francês - que morreu em Março, aos 91 anos.
Coincidência ou não, a morte paira desde os primeiros minutos nesta adaptação de "Life of Riley", peça do britânico Alan Ayckbourn, inspiração regular de algumas das últimas obras do realizador de "Hiroshima, Meu Amor". O motor da acção é, aliás, a doença terminal de um amigo das seis personagens, convencido por estas a juntar-se ao seu grupo de teatro amador de uma localidade da Inglaterra rural.
George Riley é muito comentado, a certa altura ainda mais disputado, mas nunca dá a cara num filme em que Resnais se entretém a brincar com as ausências (sobretudo a mais inevitável) e o artifício. A base teatral não é disfarçada, antes reforçada por cenários de interiores com piscadelas de olho à BD (acentuadas pelos fundos a preto e branco de alguns grandes planos), filiações antigas de Resnais bem reaproveitadas nesta despedida possível, mais lúdica do que pesarosa.
Se noutros casos manter esta limitação de espaços e actores (apenas sete) durante quase duas horas poderia resultar num exemplo pesadão e mortiço de teatro filmado, "Amar, Beber e Cantar" sabe valer-se da máxima "menos é mais". É verdade que o lado cénico vai perdendo a surpresa inicial e que nem todos os diálogos têm a mesma força, mas é difícil não aderir a esta comédia de enganos (com algum drama e tragédia) quando as personagens são tão bem trabalhadas e o entusiasmo dos actores é ainda maior, mérito de um elenco de veteranos com uma jovialidade impressionante.
A relação das personagens de André Dussollier e Sandrine Kiberlain talvez merecesse mais tempo de antena, embora o retrato dos outros dois casais seja seguro o suficiente para dar peso a estes dilemas conjugais - e elas, Caroline Silhol e Sabine Azéma, esta a ex-companheira de Resnais, estão especialmente fulgurantes.
Sem vincar uma experiência tão radical como outras obras do seu autor, "Amar, Beber e Cantar" consegue ser mais ousado do que a média (dentro do departamento de comédias românticas, então, nem se fala), e conjuga esse risco formal com um olhar simultaneamente adulto e espirituoso sobre o envelhecimento, a intimidade e o amor - pelos outros, pela arte, em última instância pela vida, por muito que a morte não tarde a reclamá-la...
3/5