Abraços (e beijos) desfeitos
Pedro Almodóvar continua adepto do formato de curta-metragem no seu novo (e muito esperado) filme, com Ethan Hawke e Pedro Pascal na pele de dois cowboys em luta com as leis do desejo. Mas mesmo sendo irrecusável para apreciadores do espanhol, "ESTRANHA FORMA DE VIDA" talvez tivesse maior impacto enquanto longa.
Resposta assumida a "O Segredo de Brokeback Mountain", filme que Almodóvar quase dirigiu mas acabou por recusar (e foi muito bem entregue a Ang Lee), este olhar sobre o reencontro de dois cowboys de meia-idade depois de um relacionamento próximo na juventude pretende, nas palavras do realizador (durante a entrevista que complementa a curta nas sessões), abordar de forma directa a homoafectividade em territórios do western, género que não é conhecido por grandes liberdades nesses domínios. E tem, desde logo, um par (mais ou menos) amoroso que convence enquanto centro narrativo e dramático: Ethan Hawke e Pedro Pascal, o primeiro a lidar com uma vida de homofobia internalizada, num desempenho tenso e implosivo, o segundo a tentar persuadi-lo para um recomeço enquanto espera algo em troca, numa interpretação de emoções à flor da pele que confirma o chileno-americano como actor do momento depois de triunfos consecutivos no pequeno ecrã ("A Guerra dos Tronos", "The Mandalorian" ou "The Last of Us" não teriam sido o mesmo sem ele).
Em 31 minutos meticulosamente contados e aproveitados, Almodóvar consegue dar a ver o presente e o passado deste par invulgar, da cumplicidade de outros dias às prioridades que marcam o novo cruzar de caminhos, do fascínio ao medo e das pressões internas às externas.
A lição de economia narrativa surge acompanhada de um primor estético que só não surpreende porque já se tornou regular neste percurso, da direcção artística elegante de Antxon Gómez à fotografia garrida de José Luis Alcaine, passando pela música orquestral de Alberto Iglesias, entre o dolente e o palpitante (ou do fado de Amália que dá título ao filme, aqui numa versão de Caetano Veloso). Pormenor nada secundário, "ESTRANHA FORMA DE VIDA" é o primeiro filme da Saint Laurent Productions, por isso não admira que o guarda-roupa também não mereça reparos (incluindo o casaco verde de Pascal, tão anacrónico como instantaneamente icónico).
Mas se "A Voz Humana" (2020), a curta-metragem anterior do espanhol, dizia tudo o que tinha a dizer adequando-se à duração escolhida, num caso de equilíbrio temático e formal, este mergulho em paixões esquivas deixa demasiado por explorar. Tanto as personagens como a entrega da dupla protagonista mereciam outro fôlego, por muito que consigam deixar marca no tempo reduzido a que têm direito (já as presenças muito faladas do português José Condessa ou de Manu Ríos, ainda mais breves, arriscam-se a confundir-se com as de figurantes). Até o próprio Almodóvar acaba por confirmar isso mesmo, ao debruçar-se, na entrevista, sobre que rumos escolheria para o segundo e terceiro actos de uma história que parece ter-se ficado pelo primeiro. Com ingredientes tão bons, sabe a pouco provar uma entrada em vez de um prato...
3/5