Agora falando a sério (mas a dançar)
Nos seus dois primeiros álbuns, "Monomania" (2013) e "Problema Meu" (2016), CLARICE FALCÃO munia-se de ironia e sarcasmo para deixar vinhetas do quotidiano em canções tendencialmente acústicas, surgidas de um cruzamento de indie pop e folk. E quando talvez se esperasse que o caminho musical da actriz, argumentista e ex-elemento da Porta dos Fundos seguisse por essa via sem grandes riscos nem desvios, "Tem Conserto" (2019) veio mudar quase tudo.
Embora não tenha abdicado por completo do sentido de humor (ouça-se a irresistível "Dia D"), o terceiro disco da brasileira tenta fugir a uma versão caricatural e apostar numa escrita mais franca e aberta, sem arriscar expor fragilidades inspiradas nas suas fases de depressão e ansiedade. Além da mudança de foco lírica, regista ainda um golpe de rins sonoro, atirando-se aos teclados e sintetizadores com produção de Lucas de Paiva (Mahmundi) e mistura de Savio de Queiroz (Teto Preto), num alinhamento onde tanto cabe synth-pop como acessos deep house ou drum n' bass.
Se as primeiras audições sugerem familiaridade com os conterrâneos Noporn e Letrux (com quem Clarice Falcão colaborou recentemente numa versão electrónica de "Eu Me Lembro", originalmente gravada com SILVA), "Tem Conserto" também não anda longe de algumas experiências texturais de SOPHIE ou Charli XCX enquanto vai alternando entre ambientes dançáveis ("Mal Pra saúde", "CDJ") e contemplativos ("Minha Cabeça" ou a belíssima faixa título).
O novo single, "SÓ + 6", está entre os momentos de maior agitação rítmica, propondo um retrato de noites que combinam solidão e hedonismo, adrenalina e quebra de limites. Noites como a do videoclip, realizado por Marcelo d’Ávila e com a participação do grupo Teatro da Pombagira: