Alemanha, ano 1931
Apesar de contar com uma estreia discreta e em poucas salas, "FABIAN: GOING TO THE DOGS" é das boas surpresas cinematográficas da recta final de 2021 e chega de onde menos se espera: do veterano alemão Dominik Graf, cuja carreira se fez sobretudo no pequeno ecrã
"Irmãs Amadas" (2014), o último (e único?) título de Dominik Graf a passar pelas salas portuguesas antes de "FABIAN: GOING TO THE DOGS", não despertava grande curiosidade em torno da obra do realizador germânico que tem filmado sobretudo para televisão desde meados dos anos 70. Pelo contrário, esgotava-se num triângulo amoroso folhetinesco que pouco ou nada se distinguia de tantos dramas de época convencionais ambientados nos bastidores da aristocracia - e cujas qualidades se resumem aos valores de produção da reconstituição histórica e à competência do elenco.
No novo filme, o alemão volta a propor uma viagem ao passado, mais uma vez no seu país, mas as semelhanças com o retrato anterior ficam quase só mesmo por aí. E ainda bem, ou não estivesse aqui um drama que começa por envolver pelo fulgor estético com que adapta o romance homónimo e autobiográfico de Erich Kästner, ancorado maioritariamente na Berlim de inícios dos anos 30 - depois da crise económica de 1929 e antes da chegada ao poder dos nazis.
Ao longo de quase três horas, o realizador propõe um fresco da então República de Weimar guiado pelas experiências de Jakob Fabian, um aspirante a escritor formado em Literatura mas que ganha a vida como publicitário. Pelo menos até ser despedido, numa viragem que marca a transição da atmosfera agitada, exuberante e bas-fond das primeiras sequências do filme para um relato que vai sendo progressivamente influenciado pelo mal-estar social, sem que Graf se preocupe em ser didáctico com o espectador - antes confia que este esteja a par da conjuntura da época, limitando-se a deixar-lhe pistas da tragédia colectiva dos anos seguintes.
A relação entre o pessoal e o político nasce sobretudo das relações das personagens, em especial através das mulheres com quem o protagonista se cruza - uma amante de ocasião, um amor maior do que a vida - e de um amigo (ainda) mais privilegiado do que ele social e economicamente.
Não falta ambição a "FABIAN: GOING TO THE DOGS": o realizador parece estar tão decidido a afastar-se do lado tendencialmente académico (ou até televisivo) de muitos filmes de época que aposta numa voracidade formal logo aos primeiros minutos, recorrendo à câmara à mão dominada por planos curtos, juntando-lhe cortes abruptos, split screens, imagens de arquivo a preto e branco, mudanças na dimensão do ecrã ou narrações em off (com mais de um narrador). A colagem experimental, barroca e às vezes delirante chega a lembrar a liberdade estilística do também recente (e injustamente ignorado) "Tesla", de Michael Almereyda, embora Graf seja bem mais comedido nas tentativas de metaficção.
Se esta linguagem mostra o alemão a atirar talvez demasiadas ideias à parede, arriscando-se a deixar alguns espectadores vencidos pelo cansaço, também torna este um dos filmes mais plasticamente inconformados e até inventivos dos últimos tempos. E felizmente, não fica limitado ao exercício de estilo quando a montagem cinética surge aliada a um estudo de personagens imersivo, que além dos presságios de uma sociedade em queda livre equaciona o preço do amor através do relacionamento que domina a narrativa.
O casal, vivido de forma convincente por Tom Schilling e Saskia Rosendahl, dupla que já tinha contracenado em "Nunca Deixes de Olhar" (2018), de Florian Henckel von Donnersmarck (outro filme a lançar um olhar pouco óbvio sobre um capítulo crítico da história da Alemanha), assegura a força dramática de uma jornada emocional entre o idealismo e o desencanto, servida por diálogos inspirados (e às vezes afiados).
Além de questionar este amor conjugal em tempos de pré-guerra e desnorte financeiro, "FABIAN: GOING TO THE DOGS" sugere que o livro em que se baseia estava à frente do seu tempo ao também abordar a liberdade sexual - quando se atira à vida luxuriante e hedonista de bares, cabarés e bordéis (alguns de perfil LGBT) - ou à misoginia que limita a carreira de actriz da personagem de Rosendahl (colocando em jogo preocupações que teriam outra projecção décadas depois, com o movimento #MeToo).
Graf passa por estas questões sem subjugar os protagonistas aos temas, mas não é tão desenvolto a gerir a duração do filme. Alguns segmentos, sobretudo da recta final, acusam as quase três horas e fica a dúvida de que todos sejam essenciais para o retrato acidentado de Fabian. Mas será sempre preferível fixar um realizador por um filme desafiante e excessivo, para o melhor e (ocasionalmente) para o pior, do que por um objecto tão domesticado como "Irmãs Amadas" e dramas de época do mesmo filão...
3/5