As virgens oprimidas (mas que não se ficam)
Candidato francês ao Óscar de Melhor Filme Estrangeiro, "MUSTANG" é uma ode à resiliência defendida com graça e garra por um quinteto de jovens actrizes. E uma bela estreia na realização de Deniz Gamze Ergüven, realizadora turca radicada em França.
Tem havido quem compare esta história de um grupo de irmãs do interior da Turquia ao relato das manas Lisbon feito por Sofia Coppola em "As Virgens Suicidas". A própria realizadora, Deniz Gamze Ergüven, assume a influência, mas se o ponto de partida até tem algumas semelhanças - sobretudo o da adolescência feminina num ambiente enclausurado, física e socialmente -, esta primeira obra está longe de se esgotar numa versão muçulmana desse drama protagonizado por Kirsten Dunst.
Até porque se não falta a "MUSTANG" alguma melancolia, cortesia das dores do crescimento e sobretudo das muitas restrições a que as cinco irmãs orfãs são sujeitas - à medida que a avó tenta arranjar-lhes marido ao longo de umas férias de Verão -, o filme é também um retrato muitas vezes enérgico e espevitado desse isolamento imposto, tanto quanto as hormonas de um grupo de raparigas entre os 11 e os 17 anos que convivem 24 horas por dia na mesma casa.
O sentido e domínio do espaço é, aliás, um dos méritos da realizadora, que consegue tornar um recurso como a câmara à mão numa aposta ganha, ao manter-se quase sempre à altura das personagens, especialmente nas (muitas) cenas de interiores, vincadas por grandes planos e planos de conjunto com o quinteto (que surge como personagem colectiva antes de o argumento ir desenhando pequenos arcos individuais).
Pouco a pouco, o filme vai sendo conduzido pelo olhar de Lale, a irmã mais nova, ainda pré-adolescente, a que mais se insurge contra o fundamentalismo e também a que tem algum tempo, ainda assim, para procurar uma fuga. E mais do que na denúncia de um sistema repressor, em especial para as mulheres, "MUSTANG" centra-se na obstinação da protagonista, que conjugada com a sua inocência e idealismo deixará qualquer espectador do seu lado.
Já o capital de simpatia pelos "antagonistas" será bastante limitado, tanto que às vezes o filme ameaça escorregar para um maniqueísmo dispensável e sujeitar-se a um objecto de denúncia. Ainda assim, Gamze Ergüven e a co-argumentista Alice Winocour (realizadora de "Agustine") dão um retrato suficientemente ambíguo tanto da avó como das tias, elas próprias vítimas de ditames masculinos instituídos e assimilados, e só a personagem do tio chega a beliscar a subtileza e verossimilhança de boa parte da narrativa (muito por culpa de uma atrocidade em particular que poderia ter ficado de fora).
Isso não chega, felizmente, para quebrar nem o encanto nem o impacto desta co-produção francesa, turca e alemã, sobretudo quando grande parte do tempo segue cinco personagens tão vivas e luminosas como a fotografia de tom veraneante. A espontaneidade delas compensa a pontual mão pesada do argumento (apesar de tudo compreensível numa primeira obra) e a sua luta pela liberdade, ainda que momentânea, deixa sequências de antologia que vão do comovente (como a do estádio de futebol) ao hilariante (a reacção das tias, logo a seguir).
A banda sonora de Warren Ellis está à altura, o que não é mero detalhe quando poderia forçar a nota de algumas cenas e atirá-las para a vitimização (que o diga "Quarto", de Lenny Abrahamson, também em cartaz). Mas à imagem da pequena Lale, "MUSTANG" não aceita esse estado e opta por outro rumo, encaminhando-se para o das grandes surpresas da temporada.
4/5