Avante, mas não muito
"Capitão América: O Primeiro Vingador" (2011) não estará entre os filmes mais aplaudidos da Marvel, mesmo que a abordagem de Joe Johnston ao alter ego de Steve Rogers tenha mantido, sobretudo na primeira metade, um charme à moda antiga condizente com a personagem e com a época da acção. Mas a recta final mais formulaica, assim como a transição do período da Segunda Guerra Mundial para os dias de hoje, deu razão a quem olha para essa aventura como pouco mais de um prólogo para "Os Vingadores".
"Capitão América: O Soldado do Inverno", a primeira (e dificilmente a última) sequela, já não tem de se sujeitar a essa limitação mas continua a deixar dúvidas sobre o interesse de uma saga a solo. Desde logo porque ainda está refém de uma lógica crossover que funcionará melhor na BD ou numa série televisiva do que no grande ecrã, pelo menos para quem esperar que um filme valha por si, independentemente do seu papel como peça de uma história mais ampla.
Anthony e Joe Russo (realizadores de "Eu, Tu e o Emplastro" e de séries como "Community" ou "Arrested Development") até tentam dar alguma especificidade a um blockbuster que faz um update das conspirações da Guerra Fria para a geração de Edward Snowden e Julian Assange, com temas da ordem do dia (destaque para o controlo e partilha de informação digital) a alimentarem um filme tão devedor de ambientes de espionagem como da espectacularidade dos super-heróis. Mas daí a estar à altura da herança dos thrillers políticos dos anos 70, como tem sido apontado, ainda vai alguma distância, por muito que procure captar o espírito do tempo com algum engenho.
Se a atmosfera de paranóia tem potencial, quase nunca consegue passar a sensação de que há realmente algo em risco. E algumas supostas reviravoltas não ajudam (uma chega a ser insultuosa) e esbatem ainda mais o investimento emocional em personagens com pouco espaço para respirar. Chris Evans, admita-se, entrega-se de alma e coração a um protagonista cujo idealismo faz falta numa altura de super-heróis atormentados. Mas o filme não é inteiramente seu e precisa de dar espaço a figuras a capitalizar nas sequelas ou noutras expansões deste universo - a boneca de Scarlett Johansson como Viúva Negra ainda justifica a sua presença, já Maria Hill ou Sharon Carter apenas confundirão quem não é adepto da BD.
De resto, esta história poderia contar-se sem o Falcão de Anthony Mackie, o Nick Fury de Samuel L. Jackson é mais instrumental do que nunca e Robert Redford poucas vezes pareceu tão desconfortável. No meio de tanta gente, o vilão que dá título ao filme nunca se impõe e limita-se deixar a porta aberta para os próximos episódios...
Entregar a realização aos irmãos Russo também não terá ajudado. Joe Johnston, sem ser um esteta ímpar, sempre foi capaz de dar alguma singularidade visual ao primeiro filme. A sequela não só é mais genérica a esse nível como ainda se atrapalha na maioria das cenas de acção, maus exemplos de uma câmara à mão hiperactiva a delirar com planos curtíssimos - as excepções, como uma óptima sequência num elevador ou um ataque a um automóvel, não fazem esquecer o resto.
Posto isto, há certamente piores maneiras de passar duas horas e pouco numa sala de cinema - e em particular num multiplex. "Capitão América: O Soldado do Inverno" raramente deslumbra mas pelo menos também não maça, mantém a eficácia industrial dos outros filmes dos heróis dos Vingadores, ampara-se num sentido de humor que por vezes disfarça sequências mecânicas e desenvolve bem a mudança de estatuto do protagonista antes do próximo filme da sua equipa. Chega para um filme-pipoca simpático, só que ainda não é desta que a dedicação de Steve Rogers (e até de Chris Evans) tem cinema à altura...
Nota: como em todos os filmes da Marvel, vale a pena ficar até ao final dos créditos.