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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

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Balança o pé (e a perna, o braço ou o que estiver à mão)

Com um dos álbuns nacionais mais frescos da temporada na bagagem, os THROES + THE SHINE levaram novas e antigas canções ao B. Leza, em Lisboa, na passada quinta-feira. E confirmaram o que "Enza" já sugeria: há por aqui mais vida além do rockuduro através do qual se distinguiram.

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Sete anos depois de se terem feito notar ao cunharem o híbrido de rock e kuduro no registo de estreia, "Rockuduro" (o título não engana), os THROES + THE SHINE podem orgulhar-se de contar com uma das discografias mais prolíficas e consistentes surgidas por cá esta década. E se "Mambos de Outros Tipos" (2014), o álbum sucessor, ameaçava cristalizar uma fórmula personalizada como poucas, o mais electrónico "Wanga" (2016) abdicou de parte da crueza inicial numa viragem que "Enza" veio agora consolidar.

O trio luso-angolano explora mundos cada vez mais vastos e tem juntado regularmente outras vozes à sua, tanto em disco como nos palcos, e a nova fase não é excepção. A apresentação da colheita recente ao vivo deixou claro que o rótulo de rockuduro, sendo apropriado para algumas canções, é no geral limitador (2012 ficou lá atrás), com os convidados da noite a reforçarem a curiosidade evidente por outros territórios.

Throes + The Shine - Carlos Sousa Vieira.jpg

Carlos Sousa Vieira/SAPO Mag

O arranque, no entanto, mostrou a banda entregue a si própria, e tão segura como se esperaria. Depois da saída de Diron Animal, um dos fundadores do grupo, em 2017, Mob Dedaldino parece estar cada vez mais à vontade como mestre de cerimónias, além de ter tido um papel mais activo na criação dos novos temas. O angolano mostrou-se incansável na tarefa de espicaçar um público inicialmente contido, longe da euforia imediata de outros concertos dos THROES + THE SHINE. Desta vez, os espectadores deram algum trabalho ao vocalista, mas não foi um esforço inglório: o crescendo de entrega e intensidade foi bonito de ver, e Mob acabou por ter todos a seus pés - até literalmente, quando apelou a que o públicose baixasse mais de uma vez para saltar ao seu aviso. O desafio foi aceite, tal como os muitos convites a braços no ar guiados pelos seus movimentos.

Igor Gomes, na bateria, e Marco Castro, na guitarra, teclados e programações, não reclamaram tanto protagonismo mas nem por isso deixaram de ajudar à festa, comprovando que este continua a ser um power trio de uma coesão inatacável. Os cúmplices de palco da noite não foram menos vibrantes: Da Chick entrou em cena na recuperação de "Keep It In", tema de "Wanga" na qual colabora; Mike El Nite sublinhou a aproximação ao hip-hop da recente "Musseque"; Cachupa Psicadélica deu voz ao mantra cósmico de "Solar", outra novidade; e o holandês Jori Collington, produtor de "Enza" (e metade dos Skip & Die) foi um elemento decisivo numa recta final mais sintética.

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A abertura, tal como no novo disco, ficou por conta de "ADN", canção que faz a ponte com os THROES + THE SHINE dos álbuns anteriores - tal como "Balança", o single de avanço, cujas reacções efusivas ao vivo pareceram atirá-lo para a lista de clássicos instantâneos. Mas as maiores surpresas vieram de canções como "Paraíso", cuja versão gravada convida os mexicanos Sotomayor e retoma a aventura latina de "Guerreros", que foi revisitada no concerto e deixou um dos episódios mais estrondosos.

Num raro desvio melancólico q.b., "Silver & Gold" confirmou ser um dos pontos altos de "Enza", e dos menos interessados no frenesim rítmico. Revelou antes que o trio também sabe explorar um R&B contemplativo e melódico, sem se tornar genérico, e já a milhas do rock ou do kuduro dos primeiros tempos. Noutro comprimento de onda, "Prayer" propõs uma incursão disco/funk igualmente bem sucedida, com um embalo contagiante a meio caminho entre a herança de James Brown e um Bruno Mars em fase de inspiração. E não ficou aquém do efeito de portentos como "Tá a Bater" ou "Hoje É Festa", que é o melhor que se pode dizer de uma canção nova.

Throes + The Shine - Carlos Sousa Vieira 2.jpg

Carlos Sousa Vieira/SAPO Mag

O kuduro marcou, ainda assim, um dos picos de adrenalina do final do concerto, através de uma releitura de "Felicidade", de Sebem, quando a banda já tinha praticamente todo o público na mão e Mob passava tantos momentos em palco como fora dele, a dançar com os espectadores antes de convidar alguns a subir para a despedida na frenética e irresistível "Ndele" - já com poucas ou nenhumas lembranças de um arranque morno. "Todos nós sentimos a felicidade", cantou o aplicadíssimo mestre de cerimónias nos minutos finais. E ao longo desta hora e pouco, ninguém pareceu ter discordado.

4/5