Baseado numa mentira verídica
Cruzamento feliz de comédia e drama, "A DESPEDIDA" parte de experiências pessoais da realizadora Lulu Wang para deixar um relato familiar de eco universal. E chegou às salas portuguesas depois de vários (e merecidos) aplausos, num dos fenómenos mais inesperados da temporada.
Depois de uma primeira longa-metragem pouco vista, "Posthumous" (2014), Lulu Wang tem sido recompensada com uma atenção internacional considerável no filme sucessor, desde um percurso já longo em muitos festivais ao Globo de Ouro de Melhor Actriz num Musical ou Comédia - para Awkwafina, a primeira mulher de ascendência asiática a receber o prémio.
E se "A DESPEDIDA" não chegou a entrar na corrida aos Óscares, ao contrário do que apontavam algumas previsões, não terá sido por falta de méritos. Esta história, baseada numa situação vivida pela própria realizadora sino-americana, tem a inteligência e o carisma entre as suas maiores qualidades, ao acompanhar uma família que evita revelar à matriarca que sofre de uma doença terminal.
De acordo com o relatório médico, a avó da protagonista terá apenas cerca de três meses de vida, cenário que motiva uma viagem repentina à China para uma reunião de todo o clã que tem como pretexto um casamento - mas que na verdade serve para um último adeus.
Awkwafina, até aqui mais conhecida por um registo cómico, convence num papel que a obriga a emanar alguma gravidade, ainda que não abdique de uma postura insolente q.b.. E a nova-iorquina de origem chinesa tem uma aliada à altura na veterana Shuzhen Zhao, igualmente credível na pele de matriarca tão teimosa e opinativa como dedicada e protectora.
"A DESPEDIDA" vive muito da relação e da química evidente entre a neta e a avó, mas o abraço caloroso de Wang estende-se a toda a família - e alguns elementos nem precisam de muitas palavras para se imporem como gente na qual facilmente se acredita.
Sóbrio e humanista, o retrato assenta na mentira que motiva um encontro melancólico com o pretexto de uma celebração, mas as muitas conversas à mesa também abrem espaço a discussões nascidas de contrastes culturais, geográficos e geracionais (a protagonista e os pais vivem nos EUA, os tios emigraram para o Japão).
Sem se afastar muito de outros olhares cinematográficos sobre reuniões e separações familiares, "A DESPEDIDA" destaca-se mais pela especificidade do contexto do que pela abordagem, embora Wang nunca seja menos do que competente (e sempre interessante) no desenho destas cumplicidades e tensões com os quais espectadores de todo o mundo se têm identificado.
O argumento é hábil ao evitar os lugares comuns (e mais pesarosos) do "filme de doença" enquanto também foge ao simplismo e artificialismo de muitas comédias familiares descartáveis. E a narrativa só perde alguma fluidez quando a realizadora insiste em efeitos com travellings e ralentis, quase sempre em separadores condimentados com música entre o solene e o sorumbático. É uma opção tão "autoral" como de relevância questionável, embora não comprometa um relato comovente e perspicaz, assombrado pela perda mas ainda capaz de fazer rir sem tropeçar no tom. A ver e a passar a palavra à família...
3/5