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Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Breve encontro

Tão caloroso como melancólico, "SUBLET" é um belíssimo regresso de Eytan Fox depois de o autor de "Yossi & Jagger" ou "The Bubble" se ter dedicado ao pequeno ecrã nos últimos anos. Um drama a não perder no ciclo Dias do Cinema Israelita, em cartaz no Cinema City Alvalade, em Lisboa.

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Depois de alguns filmes marcantes no início do milénio, que o tornaram a principal voz israelita a levar questões LGBTQI+ ao grande ecrã, Eytan Fox interrompeu um ciclo prolífico de estreias ao virar-se para a televisão - e mesmo aí de forma pouco regular.

Se num período de pouco mais de dez anos surgiram "Yossi & Jagger" (2002), "Walk on Water" (2004), "The Bubble" (2006), "Yossi" (2012) e "Cupcakes" (2013), além de uma curta em "Boys Life 5" (2006), o filme seguinte do realizador, e ainda o mais recente, é já desta década. Embora se tenha estreado em 2020, "SUBLET" chega agora a Portugal no contexto de um ciclo, o que não é inédito num autor que raramente teve direito a integrar o circuito comercial português. Mas apesar de estar disponível de forma muito limitada (tanto pelo número de sessões como por só se encontrar em exibição numa sala durante poucos dias), é à partida o melhor motivo para espreitar a 13.º edição dos Dias do Cinema Israelita, a decorrer no Cinema City Alvalade até 16 de Março.

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Argumentista e realizador de séries israelitas nos últimos anos, Fox regressa aos filmes com um drama que, a julgar pela premissa, até parece remeter mais para o universo de terceiros do que para o seu. Afinal, o retrato contemplativo da ligação que nasce entre um jornalista norte-americano de meia-idade, de visita a Telavive para escrever um artigo de viagens, e um estudante de cinema israelita que lhe (sub)arrenda o apartamento lembrará, à primeira vista, os encontros fortuitos de "Weekend", de Andrew Haigh, ou de "Fin de Siglo", de Lucio Castro - e recuando ainda mais, para fora de narrativas gay, a influência da trilogia "Before", de Richard Linklater, também sugere reflectir-se aqui.

Mas se haverá semelhanças nesses percursos, desde logo o entrosamento entre os universos pessoais e urbanos, as diferenças sobressaem como mais significativas. E uma das principais é o contraste geracional, que às vezes se torna um conflito, quase sempre acompanhado de um humor desarmante que dá conta das contradições dos dois protagonistas. Óptimos protagonistas, aliás: "SUBLET" é um filme de actores sem que isso implique que o realizador se anule.

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Tanto o veterano John Benjamin Hickey como a revelação Niv Nissim se entregam de corpo e alma às suas personagens e o filme é sempre melhor quando contracenam. Felizmente, isso acontece na maioria das cenas, com o norte-americano a encarnar um homem meditativo e ponderado, mas a dar sinais de uma crise de meia-idade, e o israelita na pele de um senhorio despachado, sempre de resposta pronta e com alguma insolência. Hickey cataliza os momentos de maior carga dramática, Nissim é um caso sério de carisma e responsável pelas tiradas e reacções mais hilariantes.

Ao longo de cinco capítulos, um por cada dia da visita do jornalista a Telavive, Fox acompanha a dupla com desenvoltura e elegância, pouco interessado num olhar turístico sobre a capital israelita e capaz de valorizar os detalhes, tanto dos espaços como das pessoas que os habitam ou percorrem. E oferece um relato maduro num filme formalmente mais convencional do que radical, é certo, o que em nada compromete o seu apelo.

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É um relato de horizontes vastos, que não desvia o olhar do conflito israelo-árabe, mesmo não o trazendo para o centro da narrativa (até porque o realizador já o abordou em vários filmes), e que vai deixando diálogos vivos e brilhantes a partir do contraste não só geracional mas também cultural. Das heranças da luta LGBTQI+ a visões sobre a arte (entre o cinema de terror, musicais e a dança, incluindo uma sequência de bailado de antologia), das possibilidades de uma segunda juventude às vicissitudes dos relacionamentos amorosos ou de meros engates.

O luto e a paternidade também pesam num drama que, mesmo deixando uma perspectiva agridoce do envelhecimento, nunca chega a tornar-se demasiado carregado quando há episódios como os da confecção de um pequeno-almoço ou da melhor forma de arrumar um armário (com destaque para as meias, noutra cena de antologia). E se "SUBLET" é tão humanista, e até optimista, como visões do mundo anteriores de Fox, também é suficientemente realista para evitar soluções fáceis e idealizadas. Nem todas as experiências transformadoras precisam de ser uma epifania, e este é um belo drama de pequenas mudanças mútuas entre os protagonistas ao longo de uma visita memorável.

4/5