Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Canções para agarrarmos o coração enquanto caímos

fever-ray-2023.jpg

"Holding my heart while falling", canta Karin Dreijer em "Carbon Dioxide", um dos pontos altos do seu terceiro e novo álbum enquanto FEVER RAY. É talvez o momento que melhor sintetiza a mistura de radicalismo e romantismo de um disco apropriadamente intitulado "RADICAL ROMANTICS", reflexão em torno da procura do amor que conjuga vulnerabilidade e uma estranheza que esta voz já carrega desde os tempos dos The Knife.

A outra metade da dupla sueca, o seu irmão Olof, é, aliás, um dos colaboradores do sucessor do melancólico longa-duração homónimo (2009) e do agreste "Plunge" (2017). Talvez por isso um single como "Kandy", acesso de languidez tropical na linha do clássico "Pass This On", soe mais a um passo ao lado dos The Knife do que a uma novidade de FEVER RAY, embora essa aproximação não seja tão evidente noutros temas às primeiras audições do disco.

Fever-Ray-Radical-Romantics.jpg

Apesar de não dispensar uma excentricidade às vezes grotesca, que também vinca a imagem (da capa do álbum aos videoclips), "RADICAL ROMANTICS" acaba por ser menos radical do que o antecessor e também mais acessível do que a estreia. Não é exactamente um disco polido: das texturas vocais processadas (com apoteose no final de "Shiver") aos ritmos híbridos, com percussão e furor industrial, estas canções mantêm intacto o ADN de quem as assina. Mas também parece haver uma maior atenção à composição do que em "Plunge" e um aprumo melódico rumo a uma pop electrónica mais digerível ao primeiro impacto.

Além de Olof Dreijer em quatro faixas, a lista de convidados inclui a portuguesa Nídia, a transitar do álbum anterior, ou Trent Reznor e Atticus Ross, dupla responsável por um dos episódios mais incisivos: "Even It Out", que mais do que os Nine Inch Nails remete para o caminho (enfurecido) que os também regressados Yeah Yeah Yeah poderiam ter seguido (mas talvez nem eles se atrevessem a sugerir este cenário de vingança parental, ainda que temperado com um sentido de humor seco, depois do caso de bullying descrito na letra).

Outro tema para ouvir com o coração na mão, "What They Call Us" abre o alinhamento com uma ansiedade que não será alheia ao facto de Karin Dreijer se ter assumido artista queer na altura da edição de "Plunge". Alerta em tempo de totalitarismos e intolerância, contrasta com a serenidade glacial de "North", cuja moldura sonora criada por Reznor e Ross sugere ecos da famigerada "Running Up That Hill", de Kate Bush.

Mas a contribuição mais preciosa talvez seja a do britânico Vessel na já referida "Carbon Dioxide": prodígio de produção a elevar uma das composições mais inventivas, é um frenesim de urgência, arrojo vocal, sintetizadores e cordas ao nível do melhor de FEVER RAY e dos próprios The Knife. Aguenta, coração...