Cenas da vida conjugal (e de uma gravidez por concretizar)
Disponível na Netflix, "AQUILO QUE MAIS QUERÍAMOS" é a crónica de um casal incapaz de sair de um impasse emocional enquanto não consegue ter filhos. Um drama adulto e a revelação de uma cineasta, a austríaca Ulrike Kofler.
Representante austríaco na corrida ao Óscar de Melhor Filme Internacional, este drama sóbrio é a primeira longa-metragem de uma realizadora que até aqui tinha assinado uma curta e contava com uma experiência considerável na montagem de vários filmes e séries (incluindo a de "O Chão Debaixo dos Pés", cuja autora, Marie Kreutzer, é aqui uma das argumentistas).
Baseado num conto do suíço Peter Stamm, deixa um retrato realista sobre um casal que apesar de várias tentativas para ter um filho, nunca conseguiu - e vê as hipóteses mais distantes depois da frustração acumulada e limitações financeiras. "AQUILO QUE MAIS QUERÍAMOS" não opta por acompanhar os passos sucessivos desse processo e segue antes os protagonistas numa temporada em que saem de Viena rumo a um resort na Sardenha, para umas férias onde equacionam o futuro próximo sem a pressão da rotina urbana. Mas a estadia acaba por ser pouco idílica quando a aproximação a um casal vizinho, com dois filhos, insiste em lembrá-los do que querem esquecer.
Relato contido e envolvente, esta é uma primeira obra que mostra uma voz que sabe como falar de relações humanas e das conjugais em particular, com uma sensibilidade e ambiguidade que se mantêm na entrega do elenco: Elyas M'Barek (actor principal do também recente "O Caso Collini") e Lavinia Wilson (que participou nas séries "Alemanha 86" e "Alemanha 89") compõem um par verosímil e o olhar dela, pensativo e magoado, está no centro de algumas das cenas mais fortes - e às quais a realizadora dá tempo e espaço, numa atmosfera de melancolia veraneante.
"AQUILO QUE MAIS QUERÍAMOS" só força a nota na recta final, quando uma guinada (melo)dramática relacionada com as personagens secundárias quase eclipsa o dilema dos protagonistas, sem que o filme saia a ganhar com a troca. O drama de câmara do casal era suficientemente interessante por si só - e na maior parte do tempo Kofler faz-lhe justiça, apesar de tudo.
3/5