Chuva e cantoria na cidade de Tóquio
2020 ainda só está no princípio, mas "O TEMPO CONTIGO" fica já com lugar guardado entre as experiências cinematográficas mais deslumbrantes do ano. E se o argumento nem sempre está ao nível do espectáculo visual, esta é uma bela forma de acolher Makoto Shinkai nas salas portuguesas.
Embora seja um dos nomes mais aplaudidos do cinema de animação japonês dos últimos anos (não falta quem o considere "o novo Miyazaki"), Makoto Shinkai ainda não dirá muito à esmagadora maioria dos espectadores portugueses. Mas pode ser que a situação comece a mudar com o seu quinto filme, que é o primeiro a estrear-se em salas nacionais. E apesar de haver quem garanta estar uns furos abaixo do antecessor, "Your Name" (2016), para muitos a sua obra-prima, esta não deixa de ser uma das melhores surpresas a chegar ao circuito comercial no início do ano.
História de fantasia em tons de fábula, "O TEMPO CONTIGO" acompanha a chegada de um adolescente a Tóquio, depois de fugir da pequena ilha onde cresceu, e o início de uma nova vida que mostra ter alguns obstáculos pelo caminho. Mas o seu dia-a-dia torna-se mais luminoso (literalmente) quando conhece uma rapariga capaz de convocar a luz solar através de uma oração, capacidade muito rentável num contexto em que a capital japonesa é vítima de um clima insistentemente chuvoso.
Infelizmente para a jovem dupla, esses biscates lucrativos trazem uma série de problemas associados, e aos poucos o relato ameno do primeiro amor e do início da idade adulta vai cedendo espaço a uma atmosfera de tensão e suspense, com o relacionamento do par a ter impacto directo no destino de toda a metrópole.
Por um lado, "O TEMPO CONTIGO" chega na altura certa, já que alguns elementos da acção estão muito próximos de alguns dos piores cenários possíveis das alterações climáticas. Por outro, Shinkai não parece muito interessado em fazer aqui um ensaio sobre o tema, com o alerta para as questões ambientais a ser eclipsado pela lógica de vida ou morte que atormenta a relação do par protagonista. Esta é, acima de tudo, uma história coming of age, e com todo o dramatismo a que a experiência de ser adolescente tem direito: não faltam sentimentos exacerbados nem música a condizer, num filme que não marca muitos pontos pela subtileza emocional.
Mas quem encarar aspectos como esse - ou como as demasiadas (e convenientes) coincidências do argumento - mais como feitio do que como defeito, terá mais facilidade em aproveitar o muito de original e singular que há por aqui.
Visualmente, percebe-se porque é que o realizador tem sido tão elogiado - ou porque é que este foi o filme mais visto no Japão em 2019. Entre o retrato de Tóquio, a vincar um sentido de espaço decisivo, e as imagens das transições meteorológicas, a animação nunca é menos do que fulgurante e detalhada, seja no desenho do quotidiano urbano (da arquitectura à multiplicidade de ecrãs), seja nos efeitos de luz e sombra entre o sol, as nuvens e as gotas de chuva.
No plano narrativo, "O TEMPO CONTIGO" mostra-se mais inconstante, sobretudo quando deixa demasiadas questões no ar. Não é que todas precisem de resposta, mas algumas dificultam a aproximação às personagens - entre elas o motivo da fuga do protagonista da sua cidade-natal. Ainda assim, Shinkai sai-se particularmente bem no arranque, quando apresenta a sua Tóquio ao espectador pelos olhos do seu jovem herói, e no final, ao colocar em marcha uma sucessão de perseguições desopilantes, mesmo que a duração do filme pudesse ser mais curta. Pelo caminho, oferece uma aventura envolvente, às vezes divertida e com uma imaginação prodigiosa, a deixar vontade de conhecer o que está para trás e a prestar atenção ao que aí vem. É tempo bem passado, este.
3,5/5