Cinquenta sombras mais negras
Kennedy Wenning já se tinha feito ouvir num disco este ano: "Amends", o segundo e último dos Them Are Us Too, que conheceram um final tão abrupto como trágico quando Cash Askew, metade da dupla norte-americana, morreu num incêndio num armazém em Okland, no final de 2016.
Se o processo de luto acabou por inspirar inevitavelmente as derradeiras canções do duo, o cenário repete-se no álbum de estreia a solo de SRSQ, projecto paralelo de Wenning que ganha agora outro peso. A morte da ex-colega e amiga é o motor de uma nova colecção de canções pintadas de negro e comandadas por uma voz já habituada a ambientes com heranças new wave e góticas, que aqui volta a mostrar-se confortável entre outros ecos de uns certos anos 80.
Ao longo de boa parte do alinhamento, "Unreality" traz à memória, como já acontecia nos discos dos Them Are Us Too, os tempos áureos da 4AD e em especial dos Cocteau Twins, um dos pilares da editora. Mas o álbum é mais intrigante quanto mais se vai afastando dessa influência assumida, sobretudo na recta final e na entrada em cena de "PERMISSION".
Com um arranque no qual a voz surge processada e em territórios próximos do canto gregoriano, a canção vai ganhando dinamismo rítmico e apelo dançável sem abdicar da estranheza, a meio caminho entre a darkwave a a synthpop, sugerindo um virar de página mais versátil nos próximos passos do projecto. O videoclip é fiel a este híbrido atormentado e eufórico, com a própria Wenning a passar por uma noite que não fica a dever nada à do Halloween - mas que ainda assim não parece intimidá-la muito: