Como escapar ao novo banal?
Joseph Gordon-Levitt é o criador, actor principal e um dos argumentistas, realizadores e produtores executivos da nova série da Apple TV+. E os primeiros episódios de "MR. CORMAN" sugerem que se sai bem em todas as vertentes.
Há oito anos, com o refrescante (e hilariante) "Don Jon", Joseph Gordon-Levitt mostrou que além de um dos actores norte-americanos mais interessantes da sua geração, era um realizador e argumentista ao qual não faltavam ideias nem criatividade para as expressar. Mas demorou mais do que alguns esperariam a apostar outra vez numa ficção da sua autoria, embora o faça agora num projecto com maior fôlego.
Entusiasmado com a liberdade que as plataformas de streaming trouxeram e que algum cinema já não encoraja, segundo tem referido em entrevistas, saltou do grande para o pequeno ecrã (curiosamente onde começou a fazer-se notar, com a sitcom "3º Calhau a Contar do Sol") e estreia-se atrás das câmaras numa série, apesar de também concentrar atenções à frente delas.
Nos dez episódios de "MR. CORMAN", apresenta-se quase em modo homem dos sete instrumentos (e até tem um contributo musical), como já tinha acontecido na comédia que dirigiu, escreveu e protagonizou, e o humor também volta a ter lugar por aqui. Mas a série deve mais ao formato dramedy, ou não mergulhasse no desgaste existencial de um professor incapaz de lidar com o (des)conforto da rotina (ou da mediocridade, questiona), sobretudo quando equaciona o rumo que a sua vida poderia ter tomado caso se tivesse dedicado à música, como ambicionava na adolescência.
Com 40 anos celebrados há poucos meses, Gordon-Levitt ensaia um olhar sobre a crise de meia-idade (embora ainda não tenha chegado a ela) a partir de uma premissa que não anda longe de outras séries sobre angústias dos trintões. Mas se o ponto de partida não é o mais original - e corre o risco de escorregar para o choradinho de um privilegiado -, a viagem promete ser idiossincrática q.b..
Os dois episódios iniciais de "MR. CORMAN" confirmam que a noção de ritmo de "Don Jon" não resultou de mera sorte de principiante, ainda que Gordon-Levitt só tenha dirigido o primeiro. Da realização à montagem, este é um arranque desenvolto e imaginativo, capaz de envolver o espectador num quotidiano delirante, às vezes surreal, assente no cansaço de um protagonista à beira de um ataque de nervos - ou talvez de pânico ou de ansiedade, como pergunta a certa altura.
Entre o peso de uma vida idealizada e o desconforto da intimidade (e do sexo, logo no primeiro capítulo), passando pelo foco na saúde mental (com o humor a juntar-se habilmente ao desespero nas sequências centradas nos serviços de assistência médica), esta segunda aventura criativa revela maior ambição temática e volta a ser conduzida por um desempenho à medida do actor que brilhou em filmes como "Mysterious Skin", "Brick" ou "Looper - Reflexo Assassino". Ainda por cima Gordon-Levitt está bem acompanhado, com Debra Winger na pele de mãe e Arturo Castro na de amigo e colega de casa. Já Hugo Weaving ou Juno Temple entram em cena nos próximos episódios, e os primeiros encarregaram-se de trazer mais um motivo para esperar pelas sextas-feiras.
Os primeiros dois episódios de "MR. CORMAN" estão disponíveis na Apple TV+ desde 6 de Agosto. A plataforma de streaming estreia novos episódios todas as sextas-feiras.