Como fugir da espiral descendente (e demente)?
Melhor episódio de 20 minutos do ano? "UZUMAKI", a nova série anime para adultos da Max, arranca de forma tão esteticamente apurada como perturbante, adaptando a aclamada manga de terror homónima do japonês Junji Ito com uma rara capacidade imersiva.
Ao longo de três volumes e mais de 600 páginas, aquele que é talvez o nome mais respeitado da manga de terror publicou, entre 1998 e 1999, a história de uma pequena cidade fictícia japonesa amaldiçoada por formas espirais, que aparentemente conduzem à loucura e à morte de grande parte dos seus habitantes.
Junji Ito, também conhecido por sagas como "Tomie" ou "Gyo", teve em "UZUMAKI" uma criação que gerou um culto crescente além-fronteiras nas últimas décadas, foi nomeada para um Eisner Award (os prémios mais reputados da BD norte-americana) e chegou a contar com um filme em imagem real no início do milénio.
Mais de 25 anos depois da primeira edição da manga, a adaptação em formato anime, estreada por estes dias na plataforma Max, vem agora apresentar este universo atormentado a uma nova geração de admiradores.
Aposta conjunta da Adult Swim e da japonesa Production I.G. (da qual saiu também a interessante "Exterminador Implacável Zero", disponível na Netflix), a minissérie realizada por Hiroshi Nagahama ("Mushishi", "Detroit Metal City") tem a tarefa ingrata de condensar centenas de páginas em quatro episódios de cerca de 20 minutos cada. Mas a julgar pelo primeiro, conseguiu manter o imaginário de paranóia, absurdo e terror gráfico associado ao olhar de Junji Ito.
Exemplo de economia narrativa, não demora muito a atirar o espectador para sequências delirantes que se cravam na mente sem pedir licença e parecem querer alargar as fronteiras visuais do género. Este arranque tanto lembra a estranheza e tormentos dos contos de H. P. Lovecraft como o body horror sem cedências dos dias iniciais de David Cronenberg ("A Mosca" está, aliás, entre as inspirações apontadas por Nagahama), efeito conseguido pela combinação de um preto e branco fiel à matriz dos livros e de animação que conjuga desenho à mão, motion capture e CGI em doses ligeiras. A música do norte-americano Colin Stetson ("Hereditário", "12 Anos Escravo") sublinha a aura desnorteante sem comprometer o minimalismo formal de uma abordagem tão fluída que as imagens parecem saltar directamente das páginas.
É verdade que o assombro poderia ser mais forte caso "UZUMAKI" mergulhasse mais a fundo nas suas personagens neste primeiro capítulo - dos dois adolescentes protagonistas à quantidade assinalável de secundários. Mas quando tantas séries abusam do formato longo (com episódios cuja duração quase compete com a de um filme) sem grande justificação, é notável que esta já tenha oferecido (e impressionado) tanto em tão pouco tempo.
O primeiro episódio de "UZUMAKI" está disponível na Max desde 29 de Setembro. Os restantes estreiam-se na plataforma nos próximos domingos.