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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Delícia turca

Entre as muitas novidades que se acotovelam nos serviços de streaming, algumas com mais fama do que proveito, há pequenas surpresas que se arriscam a ficar fora dos holofotes. A série turca "ETHOS" é dos exemplos mais sintomáticos, estreada há poucas semanas sem alarido e das boas aquisições da Netflix da recta final do ano.

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Tendo Istambul e arredores como cenário, "ETHOS" revela um olhar perspicaz e enigmático, às vezes com um humor quase escarninho mas travado por uma escrita que tem uma óbvia empatia pelas figuras que acompanha, ainda que não se escuse de dar conta das suas falhas e preconceitos.

Berkun Oya estreia-se aqui como showrunner, assinando ainda o argumento e a realização, depois de um percurso como dramaturgo, e a ligação ao teatro ajudará a explicar o seu óbvio interesse pela palavra - e pelas falhas de comunicação entre personagens que às vezes partilham pouco mais do que a língua e a nacionalidade.

Mas a série não se limita a enquadrar uma sucessão de cabeças falantes (embora recorra muito ao campo/contracampo nas cenas de conversas) e tem ideias de cinema sugestivas, dos zooms frequentes nas sequências de exteriores à utilização da banda sonora (com direito a canções eurovisivas obscuras) para sublinhar a ironia ou os absurdos do quotidiano. E também se vale de um elenco coeso, em muitos casos excelente (Öykü Karayel, a protagonista, é um rosto a fixar e não admira que Oya lhe dedique tantos grandes planos) para uma radiografia inspirada do individualismo e dos acasos numa grande metrópole, através de uma estrutura narrativa em mosaico - partindo do dia a dia de uma empregada doméstica que procura respostas entre a fé e a psiquiatria.

Só é pena que, depois de um arranque envolvente, alguns episódios acabem por acusar a duração (cerca de uma hora), com o realizador a não ser tão certeiro a gerir o ritmo como a dirigir actores, além de apresentar algumas figuras cujo retrato parece ficar por terminar. O final, no entanto, reforça as qualidades de uma série que nunca deixa de ser interessante, mesmo quando o seu autor não separa o essencial do acessório.

3/5