Dívida de sangue
Resposta mexicana a Gus Van Sant ou Larry Clark? O retrato juvenil de "TE PROMETO ANARQUÍA" talvez lhes deva alguma coisa, mas sobressai mais pelo desvio que Julio Hernández Cordón propõe.
"Paranoid Park" ou "Wassup Rockers - Desafios da Rua" são, à partida, parentes próximos da segunda longa-metragem do realizador de "Gasolina" (2008), pela forma como este drama acompanha, sem juízos de valor e com alguma crueza, as rotinas de Miguel e Johnny na Cidade do México. Entre a paixão pelo skate e a que parecem sentir um pelo outro - esta mais questionável, já quem um deles tem namorada -, o seu dia a dia é ainda marcado pela colaboração numa rede clandestina de transfusão de sangue, com ligações à mafia local.
É, aliás, esta actividade paralela que vai dominando o filme depois de um arranque entregue à pulsão sexual dos protagonistas - com direito a uma cena especialmente bem dirigida e fotografada, em tons púrpura, no interior de um apartamento, a contrastar com a forma como os dois amigos (e amantes) se comportam em público.
Mais do que pelo relato coming of age (ou coming out) sugerido no primeiro terço, "TE PROMETO ANARQUÍA" ganha interesse acrescentado ao entrar por territórios do thriller sem perder o lado de realismo social, e no seu melhor concilia uma tensão que leva o seu tempo a implementar-se com uma atmosfera que não esconde a experiência do realizador nos documentários - sobretudo numa sequência-chave que tira o tapete debaixo dos pés dos protagonistas, atirando-os para um jogo cujas regras já não conhecem e muito menos dominam.
Contando com um elenco que nunca trai o verismo das situações - com alguns actores amadores recrutados a partir do Facebook - e do qual se destaca Diego Calva Hernández, um Miguel tão metódico e cerebral como vulnerável e carente, Cordón integra o seu olhar sobre uma juventude amoral num contexto mais conturbado e amplo, com as clivagens sociais e económicas entre o par protagonista a terem impacto directo no desenlace.
O final, embora algo anticlimático depois de momentos que sugeriam outras possibilidades dramáticas, acaba por ser coerente com a visão do mundo (a partir de uma comunidade palpável) defendida ao longo de do filme, que só perde força quando alguns planos-sequência parecem querer transformar-se em videoclips (de música mexicana, tradicional ou urbana, à persença mais inesperada dos Galaxie 500, a sublinhar o travo indie). Acessos de anarquia formal que não traem, ainda assim, mais uma boa surpresa do cinema sul-americano...
"TE PROMETO ANARQUÍA" é um dos filmes da segunda edição do Queer Porto, que decorre até 9 de Outubro.