Dos dias queer a um relato de sexo anónimo
O sexo nunca foi tabu para os GARBAGE. Dos dias iniciais de "Queer" ou "Sleep Together" aos que se seguiram com "Androgyny", "Cherry Lips" ou "Sex Is Not the Enemy", a banda de Shirley Manson já dava voz ao empoderamento feminino e a questões LGBTQIA+ ou de identidade de género muito antes de estas terem ganho visibilidade regular em alguma pop de alcance global nos últimos anos.
É natural, por isso, que o olhar sobre a sexualidade também surja no novo álbum de um grupo que esteve à frente do seu tempo nessa discussão e que tenta, mais do que nunca, sintonizar-se com preocupações do presente em "No Gods No Masters". E às vezes até o faz de forma demasiado sublinhada, ou mesmo sisuda, sem a desenvoltura das canções referidas acima, quando se atira a várias questões sociais (a abordagem ao racismo em "Waiting for God" é especialmente gritante, com algumas das letras mais constragedoras do quarteto).
Mas os melhores momentos do disco revelam um arrojo que tinha ficado de fora nos últimos antecessores, comprovável num tema como "ANONYMOUS XXX". Talvez o episódio mais refrescante do alinhamento, surpreende tanto na composição como na instrumentação, ao juntar as guitarras e electrónicas habituais a sopros e percussão. Um embalo simultaneamente calypso e noir com vénia assumida aos Roxy Music e Talking Heads, tempero de um relato sexual a conjugar voyeurismo, obsessão, risco e roleplay - e guiado por uma Shirley Manson em modo sussurrante e dominador.
É facilmente dos singles mais memoráveis (e inesperados) dos GARBAGE em muitos anos e pedia um videoclip com rasgo à altura, o que não chega a acontecer na proposta do chileno Javi Mi Amor (que já tinha assinado os vídeos de "Wolves" e "The Man Who Rule The World"), a apostar numa tentativa de provocação redundante e cansativa. Ainda assim, as alusões pontuais à fase clássica de "I Think I'm Paranoid" são bem-vindas: