E depois da guerra?
É facilmente um dos melhores filmes de François Ozon: entre o drama e o suspense, a culpa e a redenção, "FRANTZ" mostra que a I Guerra Mundial continua a ser terreno fértil para novos olhares (mesmo quando partem de histórias já contadas).
Algo vai mal quando um dos filmes mais aconselháveis de François Ozon (cineasta tão intrigante como irregular) estreia por cá com dois anos de atraso e só tem direito a duas salas na primeira semana de exibição (acabou, vá lá, por ser distribuído em mais cidades na segunda). Tendo em conta que o número de obras a reter entre as novidades despejadas sem critério (às vezes perto da uma dezena por semana) parece inversamente proporcional à quantidade, a chegada de "FRANTZ" merecia outra atenção.
O filme de 2016 do realizador francês merece juntar-se a "O Tempo que Resta" (2005) ou "Dentro de Casa" (2012) ao apresentá-lo no seu melhor, apesar de partir de cenários pouco habituais no seu percurso. Inspirado na peça "L’homme que j’ai tué" (1930), de Maurice Rostand, que já tinha servido de base para uma das obras menos celebradas de Ernst Lubitsch, "O Homem que Eu Matei" (1932), arranca numa pequena localidade da Alemanha de 1919 e acaba por rumar até França, medindo o pulso aos dois países logo após a I Guerra Mundial.
Se o universo bélico era território inexplorado na obra de Ozon e o do filme de época também não era dos mais típicos, "FRANTZ" sai-se muito bem ao evitar traços de academismo demasiado associados a muitas dessas ficções. Embora o resultado seja mais sóbrio e contido do que o de alguns títulos através dos quais o cineasta se fez notar, também é dos mais amadurecidos e elegante - sem que essa contenção seja sinónimo de um autor acomodado.
Ao seguir o relacionamento entre um soldado francês, que sobreviveu à guerra mas vive atormentado pela culpa, e a noiva de um oficial alemão que morreu em combate, Ozon vai desenhando uma combinação envolvente entre o drama familiar e um exercício de suspense sem deixar de ter em conta o que move as personagens ou o peso do contexto que as influencia.
É certo que parte do que aqui mostra já tinha sido retratado na peça e filme que antecederam "FRANTZ", mas o que acrescenta não é menos digno de nota. Sobretudo quando a segunda metade da história vai dando protagonismo a Anna, uma das heroínas mais fascinantes da obra de Ozon (já de si forte em personagens femininas complexas) e muito bem defendida pela revelação Paula Beer (com um misto de fragilidade, resiliência e subtileza à medida do filme).
Todo o elenco é, aliás, impecável, desde os veteranos Ernst Stötzner e Marie Gruber, na pele dos pais do soldado desaparecido (e nos antípodas dos estereótipos da frieza alemã) a Pierre Niney, cuja figura, caracterização e linguagem corporal parecem ter saído de um filme dos tempos de Lubitsch. E se interpretações deste calibre ajudam a dar peso dramático a uma das obras mais comoventes do realizador - sem tentações de manipulação fácil pelo meio -, a belíssima fotografia de Pascal Marti (quase sempre a preto e branco, tirando alguns momentos estratégicos) e a música de Philippe Rombi (nada intrusiva) são decisivas para o efeito sensorial de "FRANTZ", particularmente sedutor.
Nem uma reviravolta talvez demasiado telegrafada, a meio, belisca muito o equilíbrio de um filme tão contundente como gracioso, no qual o embate com a tragédia e o pior da humanidade convive com uma vertente romanesca e esquiva, tão cara a Ozon (aqui a instigar uma teia de segredos e mentiras pacientemente delineada). E é curioso ver como este olhar sobre o conflito e a perda ganha outra ressonância nos dias de hoje, com a Europa (e não só) a ser palco de focos de nacionalismo alarmantes (Ozon nem precisa de forçar a nota para que o paralelismo se insinue). Também por isso, está aqui uma estreia a não deixar passar, apesar do atraso e dos limites da distribuição...
3,5/5