E depois do adeus?
Filme centrado no luto, retrato da incomunicabilidade familiar, olhar sobre as dores do crescimento, ensaio em torno da má consciência ocidental... "ENSURDECEDOR" quer ser muitas coisas e nem sempre acerta em todas, mas mostra que Joachim Trier continua a ser cineasta a acompanhar.
Cinco anos depois de "Oslo, 31 de Agosto", drama que despertou atenções sobre Joachim Trier após o mais discreto "Reprise" (2006), o realizador norueguês dirige agora um elenco internacional no seu primeiro filme falado em inglês. Mas de certa forma também volta ao lugar onde foi feliz, ou pelo menos bem sucedido: ao mergulho na depressão e no que motiva o suicídio, temática inspiradora da sua segunda longa-metragem e explorada com uma secura, sensibilidade e crueza ao alcance de poucos.
Nesse aspecto, "ENSURDECEDOR" não será tão reconhecível, ao apostar num registo agridoce, até com mais espaço para algum humor, enquanto acompanha não o que precede mas o cenário pós-suicídio. E desta vez um cenário familiar em vez de individual, seguindo um pai e dois filhos depois da morte da mãe, uma reputada fotógrafa de guerra que tanto ilumina como assombra o dia-a-dia daqueles que lhe eram mais próximos.
Se a escolha de um elenco de nomes mais populares em vez dos desconhecidos de filmes anteriores poderia ser vista como cedência, Trier deixa evidente que estes actores não estão aqui por acaso. Isabelle Huppert já não tem nada a provar e fica como o rosto mais memorável e presente, apesar de também ser a figura mais esquiva. O filme é que nem sempre tira o maior proveito da sua entrega quando ameaça torná-la num símbolo do sentimento de culpa ocidental e dos males do (terceiro) mundo, dividido entre o conforto e entorpecimento da rotina familiar a urgência da denúncia de atentados aos direitos humanos além-fronteiras.
Não é que Trier se saia mal nessa abordagem, mas "ENSURDECEDOR" torna-se mais intrigante quando se liberta desse peso temático, muito da ordem do dia e muito visto noutros filmes com mais causas do que cinema. E é quando larga a agenda da aldeia global que parece encontrar uma narrativa mais livre e singular, nos dramas domésticos entre pai e filhos cujo palco não é um campo de batalha africano mas um subúrbio norte-americano.
A personagem do filho mais novo, por exemplo, surge como um estereótipo do adolescente "estranho" e circunspecto antes de começar a roubar espaço a tudo o resto, e ainda bem. É graças a ele - a óptima revelação Devin Druid - que o filme explora de forma mais intensa a relação com a morte e a reaprendizagem e adaptação que o luto de alguém próximo implica. Não sendo território novo, é conjugado de forma hábil com a vertente coming of age que o filme também tem, lado a lado com o peso da mentira nas relações ou as várias formas de encarar o mesmo acontecimento.
Em menos de duas horas, "ENSURDECEDOR" não chega a ter tempo de ir tão longe com as personagens de Gabriel Byrne e sobretudo de Jesse Eisenberg, embora deixe uma série de cenas visualmente fortes pelo caminho - mais conseguidas em sequências como a do retrato na primeira pessoa do quotidiano adolescente, momento-chave entre os dois irmãos, do que em algumas passagens oníricas com a personagem da mãe, estas já demasiado longe do drama de câmara de "Oslo, 31 e Agosto" e a caminho de uma certa afectação indie. Menos irregular é a banda sonora, entre a belíssima partitura instrumental de Ola Fløttum e temas de Tangerine Dream, Sylvester, Com Truise ou Beck, acessos de garra adolescente num filme irredutivelmente adulto - como começa a ser hábito, de resto, na obra do seu autor.