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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

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E viveram infelizes para sempre...

Michael Haneke mantém-se igual a si próprio em "HAPPY END". Talvez demasiado, com uma nova crónica cínica e amargurada sobre as relações humanas - as familiares em particular - que se revela mais intrigante pela forma do que pelo conteúdo.

Happy End

Desde a estreia no Festival de Cannes de 2017, o mais recente filme de Michael Haneke tem sido muitas vezes apontado como uma mera revisitação dos temas e abordagens habituais do realizador austríaco, sem grandes viragens. E ao ver "HAPPY END", torna-se difícil não partilhar dessa sensação de reconhecimento, com pouco espaço para mudanças de foco.

Não é necessariamente um problema quando este drama sobre uma família burguesa é servido por um elenco confiável e apresentado com as doses de distanciamento e provocação habituais no cineasta. Mas se a teia de segredos e mentiras é moldada com algum engenho, o resultado final não é tão contundente nem corrosivo como insinua - nem como talvez fosse legítimo esperar.

Happy End 3

Tendo Calais como cenário, "HAPPY END" não deixa de evocar a crise dos refugiados que tornam a cidade francesa especialmente destacada em noticiários, embora mergulhe mais a fundo na dinâmica da classe alta, concentrando-se no jogo de máscaras do clã Laurent - cuja estabilidade financeira contrasta com a aridez do plano afectivo.

"HAPPY END" também poderia chamar-se "Beleza Francesa", pela fachada de felicidade familiar de cartão postal que marca a imagem pública da família protagonista. Mas não só este conceito está longe de ser uma novidade como Haneke raramente traz grandes variações à fórmula.

O realizador mostra-se mais hábil a conduzir as várias rotinas do patriarca, filhos ou netos do que propriamente a dar espessura às suas personagens. Nem actores como Isabelle Huppert ou Mathieu Kassovitz chegam a afastar a ideia de que há aqui mais caricaturas do que figuras de corpo inteiro, até porque às vezes, e como em grande parte da sua obra, Haneke parece mais interessado em explorar a dimensão formal do que a emocional (com a sua câmara a entrecruzar-se com conversas no Facebook, vídeos do Youtube ou filmagens amadoras da protagonista mais jovem, numa montra mais eficaz do que surpreendente da fusão do real com o virtual).

Happy End 2

A conjugação de formatos tecnológicos como motor narrativo também dá conta do quotidiano insistentemente alienado e solitário das personagens, que Haneke segue de forma clínica e com acessos de humor negro. E ao apontar o individualismo exacerbado, a hipocrisia ou a falta de comunicação, deixa mais um retrato pessimista das relações humanas.

Só que é pena que figuras como a do filho da personagem de Huppert sejam apenas meios para atingir esse fim, limitações que até se tornam mais evidentes nos casos em que o argumento acerta. E aí brilham o veterano Jean-Louis Trintignant (depois de protagonizar "Amor") na pele do patriarca que já não espera um final feliz (só mesmo um final, a qualquer custo) e a revelação Fantine Harduin, a pequena neta obrigada a crescer à força e sem alicerces morais. A jovem actriz revela uma maturidade pouco habitual no embate com o veterano e as sequências que acompanham as conversas entre os dois, na segunda metade do filme, dão pistas do patamar superior para o qual "HAPPY END" ameaça saltar. Fica a meio caminho, mas o resultado, não sendo dos mais memoráveis de Haneke, também está longe de ser infeliz...

 3/5