Ele é que é o presidente (mas todos gostam mais dela)
Na terceira temporada de "HOUSE OF CARDS", Frank Underwood conseguiu finalmente o que queria: tornar-se Presidente dos EUA, mesmo que um presidente substituto e não (ainda) eleito. Mas a série do Netflix também confirma o ditado de que por trás de um grande homem (ou péssimo, neste caso) há uma sempre grande mulher, com a personagem de Robin Wright a conquistar tempo de antena (na campanha eleitoral e não só) à de Kevin Spacey.
Essa mudança fez bem à produção norte-americana de Beau Willimon (cuja ficha técnica inclui David Fincher como produtor executivo), agora mais afastada do material de origem, a minissérie homónima da BBC, e também a abdicar de alguma sordidez (e contagem de corpos) das primeiras temporadas, com mais avanços na carreira política do que criminal do protagonista.
Se os homicídios motivados por Frank, pelas próprias mãos ou com o apoio de terceiros, esticaram a suspensão da descrença de muitos espectadores até ao limite, a nova fase da saga ambientada na Casa Branca foi por vezes surpreendentemente sóbria e realista. Sem tantos desvios de tom, mas também sem ignorar a índole no mínimo questionável da personagem de Spacey, político disposto a tudo, "HOUSE OF CARDS" foi tanto melhor quanto mais explorou Claire Underwood, desde cedo uma figura menos plana do que a do marido.
Os populares apartes do protagonista, em que se dirige directamente ao espectador, podem ter-se tornado parte da imagem de marca desta saga política, mas também são, muitas vezes, das cenas mais óbvias: raramente acrescentam algo que não tivéssemos já intuído, servindo quase sempre para mastigar acontecimentos recentes ou antecipar outros que não precisavam desse dispositivo.
Felizmente, os argumentistas e realizadores aplicam mais vezes a dica "show, don't tell" às sequências com a personagem de Claire, mantendo-a como uma mulher esquiva, contraditória e enigmática, a atirar a série para território mais movediço. É muito por causa dela que os episódios que envolvem o presidente russo (cópia a papel químico de Vladimir Putin) são dos mais desafiantes e memoráveis da temporada, com "HOUSE OF CARDS" a mergulhar numa eventual nova Guerra Fria, no conflito do Médio Oriente ou no activismo LGBT - e a recusar entrar pelo caminho mais fácil, questionando as certezas dos protagonistas e dos espectadores.
Mas Claire não é a única mulher forte da terceira temporada. Heather Dunbar, que disputa com Frank a corrida à presidência, é das adversárias mais sérias do protagonista, embora nem precise de ser especialmente temível quando os anteriores quase não lhe davam luta (com o Presidente dos EUA da segunda temporada a destacar-se como um oponente demasiado frouxo para ser verdade, um extremo de ingenuidade contra um concentrado de frieza e calculismo). A deputada Jackie Sharp e a jornalista Kate Baldwin também tentam a causar alguns estragos, sobretudo a segunda, espelho de uma imprensa menos vulnerável e silenciada do na fase inicial da série.
Mais frustrante é a personagem de Rachel, responsável pelo óptimo cliffhanger do final da segunda temporada mas aqui motor de um subenredo arrastado e problemático. A atenção à vida pessoal (quase inexistente) de Doug Stamper, ex-Chefe de Gabinete de Frank e workaholic obrigado a uma longa pausa para recuperação, até começa por ser uma forma inesperada de arrancar a temporada, dando outro peso a um secundário até então quase instrumental. Michael Kelly revela-se actor à altura do desafio e merecia mais do que o remate previsível e tardio do fecho da temporada, com um jogo de suspense que falha ao usar, mais uma vez, Rachel como mera muleta do argumento e da viagem emocional de Doug.
O que "HOUSE OF CARDS" consegue atingir com os episódios mais dedicados a Claire perde em momentos como esses, com um desperdício de algumas tramas secundárias que menorizam aquela que será, apesar de tudo, a temporada mais recomendável da série. Nesse aspecto, o último episódio acaba por ter alguma coerência, ao fazer corresponder o rumo de duas histórias: uma atabalhoada, outra mais intrigante. Mas com uma cena final tão seca e repentina (cortesia, lá está, da melhor personagem), capaz de elevar tanto os riscos, a curiosidade quanto ao que se segue fica mais do que garantida...