Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Encontro de irmãos

Nomeado para o Óscar e o Globo de Ouro de Melhor Filme de Animação, "MIRAI" chegou às salas nacionais sem a pompa de outros títulos em destaque nesses prémios. Mas a nova obra de Mamoru Hosoda merece tanta ou mais atenção do que muitos galardoados.

Mirai.jpg

Autor de "A Rapariga Que Saltava Através do Tempo" (2006), "Crianças Lobos" (2012) ou "O Rapaz e o Monstro" (2015), Mamoru Hosoda tem vindo a conquistar um lugar reputado no cinema de animação japonês, e o seu novo filme ajuda a perceber porquê.

História alicerçada na infância, "MIRAI" centra-se no quotidiano familiar de um menino de quatro anos, Kun, destabilizado pela notícia do nascimento de uma irmã. Habituado a ter toda a entrega dos pais, o protagonista encontra-se repentinamente numa situação nova, desconfortável, à qual não sabe como reagir. E aos poucos o que era um dia a dia geralmente pacato vai acumulando ansiedade à medida que Kun disputa a atenção paterna e materna com a personagem que dá título ao filme.

Retrato do crescimento capaz de juntar drama, comédia e até um mergulho abrupto no terror (numa recta final desconcertante), "MIRAI" está longe de ser a animação mais convencional para toda a família, desde logo ao não facilitar a aproximação do espectador a um protagonista ao qual não faltam episódios vincados pelo egoísmo ou pela histeria. Mas essa atitude por vezes agreste de Kun só vem reforçar a verosimilhança das cenas domésticas e familiares, atípica em muitos filmes animados ou mesmo de imagem real. 

Mirai 2.jpg

Quando o protagonista vai sendo progressivamente obrigado a lidar com a solidão, encontra refúgio no jardim da sua casa, porta de entrada para um mundo ilusório e/ou fantástico através de visitas de figuras que só ele consegue ver. Através delas, "MIRAI" vai alargando o espectro de um relato que acaba por ter contornos de grande saga familiar, com um diálogo entre gerações que ajuda Kun a encontrar o seu papel.

Se por um lado estes encontros recorrentes levam a que o filme tenha uma narrativa demasiado episódica, e até ocasionalmente redundante, Hosoda sai-se muito bem na abordagem ao conflito interior de uma criança que tem de aprender a partilhar, propondo uma viagem que passa pela sensação de abandono ou acessos de raiva, na qual tanto miúdos como graúdos poderão rever-se. É corajoso, o embate com o lado menos adocicado da infância, e os momentos atormentados permitem que "MIRAI" saia do lugar seguro da animação tradicional para um universo digital caótico, impressionante sem cair no gratuito - e sempre fiel ao desafio emocional de um filme com um dos finais mais comoventes dos últimos tempos.

3,5/5