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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Este lixo já tem 25 anos, mas não precisa de reciclagem

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Casa de alguns dos maiores hinos pop-rock da década de 90, o primeiro álbum dos GARBAGE, homónimo, chega aos 25 anos e continua a justificar a (re)descoberta - ou não contasse com um dos melhores conjuntos de canções não só da banda mas do seu tempo.

"Come down to my house/ Stick a stone in your mouth", convida Shirley Manson no início do disco de estreia dos GARBAGE, guiado pelo ritmo pára-arranca de "Supervixen". E termina a canção a repetir "bow down to me", depois de um embate atmosférico e distorcido q.b.. Mas apesar (ou precisamente por causa) do tom intimidatório, o convite foi aceite por uma imensa minoria, primeiro, e uma larga maioria, pouco depois, que se renderam à proposta dos GARBAGE em 1995.

Não que tenha sido um processo simples. A vocalista recorda muitas vezes em entrevistas o arranque conturbado, quando deixou a sua Edimburgo natal para se encontrar num estúdio isolado em Madison, Wisconsin, nos EUA, com aqueles que viriam a ser os seus colegas - e que na altura eram três produtores a decidir formar uma banda.

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Butch Vig (a viver uma fase reputada depois da produção de clássicos da "nação alternativa" como "Nevermind", dos Nirvana, ou "Siamese Dream", dos Smashing Pumpkins), Duke Erikson e Steve Marker tinham descoberto a ex-vocalista dos Angelfish e antigo elemento dos Goodbye Mr. Mackenzie num videoclip, através na MTV, e viram nela a voz e atitude que procuravam. Manson acedeu ao desafio, mas a viagem teria sido em vão caso não lhe tivesse sido dada uma segunda oportunidade depois de um primeiro contacto desastroso, vincado por um nervosismo que não conseguiu controlar. Ainda assim, demorou cerca de três meses, marcados por ensaios a um ritmo quase diário, até se tornar elemento oficial do então novo grupo.

Banda de produtores, criticaram alguns, que pareciam ver aqui uma ameaça à suposta autenticidade do rock garantida pela explosão do grunge. Mas o género entrou rapidamente em declínio após a morte de Kurt Cobain, um ano antes, e os GARBAGE souberam oferecer uma resposta viável, refrescante e personalizada a tempo e horas. E sem deixarem de fazer algumas pontes com o grunge enquanto se afirmavam como projecto de ambições mainstream a partir de linguagens alternativas. "Supervixen", referida atrás, não foi a faixa de abertura por acaso, embora até deva mais a inspiração a Chris Cornell, um dos ídolos de Manson no início dos anos 90.

"Vow", o primeiro (e imponente) single, também apontava algumas raízes ao som de Seattle. O alinhamento, no entanto, tinha horizontes mais vastos, do shoegaze ao industrial, do gótico ao trip-hop ou música de dança, tudo assimilado por uma produção de topo (a fazer valer os pergaminhos do trio masculino, lá está), capaz de aliar a distorção de guitarras herdada de uns Curve ou My Bloody Valentine à exploração de ferramentas electrónicas e a uma sensibilidade pop que gerou singles perfeitos e transversais como "Stupid Girl" (o sample de "Train In Vain", dos Clash, é dos mais irresistíveis do disco) ou "I'm Only Happy When It Rains" (a retratar com ironia a postura de uma certa juventude urbano-depressiva).

"Milk", outra das pérolas do alinhamento, foi a primeira canção inteiramente composta por Manson, e talvez por isso conte com uma das suas interpretações mais arrepiantes, a sublinhar uma versatilidade vocal assinalável. E abriu caminho, ao lado da também belíssima "A Stroke of Luck", para abordagens turvas dos GARBAGE às baladas (como "The Trick Is to Keep Breathing" ou "You Look So Fine" mostrariam no álbum seguinte, o igualmente brilhante "Version 2.0").

Apesar do desconforto inicial, a vocalista não demorou a tornar-se no rosto mais visível e popular do grupo, além da principal letrista: uma mulher no centro de uma banda de homens, como o tinham sido Debbie Harry, Siouxsie Sioux ou Chrissie Hynde, três das suas referências, nas décadas anteriores. É difícil imaginar outra voz para as insinuações noir de "Queer", a vertigem desesperada de "My Lover's Box" ou o ressentimento e compasso alucinante de "As Heaven Is Wide", esta última a marcar uma geração não pela presença regular na MTV ou em praticamente todas as rádios (da XFM à Cidade), como aconteceu com os singles, mas através dos videojogos, cortesia da banda sonora de "Gran Turismo 1".

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Manson assume hoje que os primeiros anos da banda não foram imunes a períodos depressivos, mas a imagem que transparecia ofuscava essa inquietação com uma postura confiante, enigmática e sedutora como poucas ao longo da década. Uma atitude que saía reforçada nos palcos, teste derradeiro ao som e viabilidade dos GARBAGE superado com distinção - e a responder à desconfiança de quem via aqui um projecto laboratorial que se esgotava na segurança do estúdio.

O público português teve de esperar pelo segundo álbum para confirmar por si, num concerto memorável na antiga Praça Sony da Expo 98, em Lisboa. E nem a banda nem estas canções perderam o fôlego ao vivo com o passar do tempo, como ficou provado na digressão comemorativa dos 20 anos de "Garbage", em 2015 - ano de uma reedição com direito a lados B estimáveis e alguns até essenciais, como "#1 Crush", que merecia lugar no álbum (sobretudo na versão misturada por Nellee Hooper). Resta esperar que alguma dessa vitalidade se mantenha no próximo álbum, o sétimo, apontado para 2021, depois de os dois últimos terem sido os menos aliciantes desta discografia - os dois primeiros, por outro lado, dificilmente poderiam ter sido melhores.

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