Fundo de catálogo (104): George Michael
Como melhorar o que já era muito bom? GEORGE MICHAEL, de quem fomos obrigados a despedir-nos no domingo, deixou uma resposta possível numa versão/mashup/remistura que nem precisou de se desviar assim tanto dos originais para deixar a sensação de novidade e, sobretudo, de reinvenção inspirada.
A história do parto de "KILLER / PAPA WAS A ROLLIN' STONE" é logo invulgar, uma vez que GEORGE MICHAEL já tinha o tema entre os trunfos das suas actuações desde 1991 antes de o editar em algumas versões do EP "Five Live", em 1993. O disco registava uma pequena parte do concerto de tributo a Freddie Mercury, na Wembley Arena, em Londres, no ano anterior, que juntou o ex-Wham!, os Queen e Lisa Stansfield, entre muitos outros, embora apenas tenham sido editadas as colaborações desses três artistas.
"KILLER / PAPA WAS A ROLLIN' STONE" nem fez parte do alinhamento desse espectáculo, mas de um outro de GEORGE MICHAEL no mesmo espaço, no qual o britânico apostou no cruzamento do single de Adamski que a voz Seal ajudou a tornar num sucesso global em 1990 com "Papa Was a Rollin' Stone", canção dos anos 70 originalmente interpretada pelos The Undisputed Truth que atingiria o estatuto de clássico através dos Temptations.
Revisitados num medley com tanto de atípico como de arriscado, os temas transfiguraram-se numa fusão capaz de ser tradicional e futurista, acústica e electrónica, mergulhando na acid house, na soul, no rock, no funk ou no gospel e convocando sopros, cordas, percussão, teclados ou sintetizadores, que acompanharam as vozes de GEORGE MICHAEL e de um coro feminino.
O resultado era demasiado bom para ficar confinado à memória dos que estiveram nos concertos ou que ouviram o registo gravado no EP, e felizmente ganhou novo embalo rítmico no retratamento dos P.M. Dawn, com duas misturas - uma de nove minutos, outra mais curta -, e sobretudo na versão finalmente editada em single, de longe a mais popular do tema.
"Killer" contou aí com uma moldura menos robótica do que a da matriz de Adamski, à semelhança do registo dos palcos, e "Papa Was a Rollin' Stone" deu o mote com o arranjo sinfónico antes de se tornar dominante na segunda metade. E dessa combinação surgiu um dos melhores exemplos da abertura de GEORGE MICHAEL a uma pop de horizontes largos no seu percurso a solo, impensável para alguns dos que o tinham ouvido na dupla de "Last Christmas" ou "Wake Me Up Before You Go-Go".
Peça fulcral para que o single tenha lugar cativo entre os mais populares do seu tempo, o brilhante videoclip de Marcus Nispel retomou temas como a solidão, liberdade ou racismo, já presentes no original de "Killer" e sublinhados na discografia do autor de "Listen Without Prejudice Vol. 1" (1990) e "Older" (1996), cujo cunho social e politico estaria presente até "Patience" (2004).
GEORGE MICHAEL fez questão de não aparecer no vídeo, para que a sua imagem não tivesse mais peso do que a música, e o realizador alemão inspirou-se nos universos da publicidade ou da moda numa das peças audiovisuais mais icónicas da geração MTV, primorosamente fotografada a preto e branco - mas se na altura era presença constante no canal de música, hoje será mais fácil encontrá-lo noutras plataformas. Abaixo ficam duas versões da canção: a do single e a da actuação no Rock in Rio de 1991, mais próxima do registo do EP "Five Live". E são ambas essenciais, seja para fãs confessos do britânico ou apreciadores de alguma da pop mais desafiante das últimas décadas: