Gelado de Outono
BECK mais pop não há: "COLORS" é um desvio assumido da "maturidade" de "Morning Phase" e opta claramente pela festa em vez da introspecção. E nem precisa de ser um grande álbum para se revelar contagiante.
Depois de responder ao contemplativo "Mutations" (1998) com o delírio de "Midnite Vultures" (1999) e de sair do mergulho interior de "Sea Change" (2002) com o mais enérgico "Guero" (2005), BECK volta a fazer uma manobra semelhante três anos após a edição de "Morning Phase", um dos seus discos mais elogiados e o tal que lhe deu o reconhecimento oficial da indústria ao ser premiado com o Grammy de Álbum do Ano.
Em vez de se manter nos tons outonais de um dos seus registos mais melancólicos, vincado por heranças da folk e da country, o norte-americano parece querer sublinhar que a aproximação do meio século de vida (o autor de "Loser" soprou 47 velas no Verão passado) não é sinal de rendição a ambientes sonoros mais serenos e meditativos. Nem seria legítimo esperá-lo tendo em conta que a sua discografia, mesmo com pontos de contacto entre algumas edições, é mais dominada pela surpresa do que pelo regresso a cenários habituais.
No caso de "Colors", o 13º longa-duração de uma carreira de quase 25 anos, o cenário é mesmo pouco habitual e talvez por isso não esteja a ser recebido com o consenso que agraciou a maioria dos antecessores. É provavelmente o álbum mais imediato de BECK, com canções incisivas e quase sempre dançáveis, resultado da colaboração com Greg Kurstin. O produtor de êxitos de Adele, Sia ou Pink não seria o nome mais expectável, até porque não é conhecido por pop especialmente desafiante, mas acabou por se mostrar eficaz para o que o autor do disco pretendia: um conjunto de canções nem retro nem modernas, com uma profusão de texturas e camadas que não se anulassem mutuamente na mistura.
Pode dizer-se que o objetivo foi alcançado, mesmo que "Colors" não se imponha numa discografia já longa e ecléctica. BECK podia não estar a pensar numa pop moderna mas este soa a um disco da geração EDM, embora mantendo a personalidade de uma das revelações dos anos 90.
"Up All Night", com um hedonismo funk em moldura electrónica, não destoaria numa playlist entre as canções mais recentes dos Daft Punk e Justin Timberlake. "Wow", tão ou mais orelhuda, é outro exemplo de uma faceta lúdica que "Morning Phase" ameaçava deixar definitivamente para trás, com uma conjugação viciante de batidas e harmonias vocais a piscar o olho ao hip-hop contemporâneo (numa actualização do corta e cola dos dias de "Odelay").
Se estes dois temas foram dos primeiros avanços do disco, praticamente todas as canções de "Colors" têm potencial de single. "Dreams", outro cartão de visita, remete para o psicadelismo de uns Tame Impala da vertente mais sintética, aproximação que também marca a faixa-título, entre sintetizadores e flautas. "Seventh Heaven" lembra outros australianos amigos da synthpop, os Cut Copy, com coros em falsete a pedir aos céus um futuro com dias melhores.
Já "Dear Life", ancorada no piano, é canção de recorte mais clássico, se por clássico entendermos Beatles via Elliott Smith. Mas talvez seja em "So Free" que "Colors" atinge o ponto de rebuçado: antes do refrão a viagem ameaça derrapar para o terreno pantanoso da EDM, mas as guitarras acabam por reclamar protagonismo entre um ritmo frenético e rodopiante, com um crescendo ampliado pelos contrastes vocais rumo a uma euforia que pede um palco.
Menos convincente, "No Distraction" mostra um balanço irregular ao alternar entre um arranque devedor dos Police com viragens para os Killers nos momentos mais acelerados, antes de regressar à casa de partida no refrão (sem ganhar muito com isso). É talvez o maior desvio do alinhamento face ao que já ouvimos de BECK, mas não compromete um sortido pop mais saboroso do que alguns discos anteriores com aclamação generalizada. Pelo menos se não lhe pedirmos mais do que aquilo que pretende oferecer.
3/5