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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

Grandes poderes ainda trazem grandes sequelas

Como reagir à saturação de super-heróis no cinema e noutros ecrãs? "HOMEM-ARANHA: ATRAVÉS DO ARANHAVERSO" dá uma resposta viável no melhor filme do género em anos, além de dar bom nome às sequelas. E é tão imaginativo e trepidante que até se desculpa ser só a primeira de duas partes...

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Numa altura em que não faltam cada vez mais aventuras de super-heróis tanto no grande como no pequeno ecrã, com muitos recomeços, regressos ou spin-offs pelo meio, a saga de Miles Morales vem esclarecer, mais uma vez, que o problema não está no tipo de histórias em si.

Se "Homem-Aranha: No Universo Aranha" (2018) já tinha oferecido uma lufada de ar fresco nestes domínios, a aguardadíssima sequela não só não desilude como leva mais além as pistas lançadas, comprovando que ainda há (boas) ideias a explorar neste registo, e com direito a uma energia visual irrepreensível (a deixar a milhas a pobreza estética de boa parte das adaptações em imagem real da Marvel e da DC).

"HOMEM-ARANHA: ATRAVÉS DO ARANHAVERSO" volta a tirar o melhor partido de uma animação fresca e topo de gama, simbiose invulgar de digital e desenho à mão perfeitamente ajustada a uma narrativa que cruza personagens e realidades mais distintas e contrastantes do que nunca.

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Não tem, claro, o efeito surpresa do antecessor, mas revela uma ambição ausente das habituais aventuras formatadas da maioria da concorrência. E aí, além da realização de Kemp Powers, Justin K. Thompson e do português Joaquim dos Santos (depois de Bob Persichetti, Peter Ramsey e Rodney Rothman no primeiro filme), há que aplaudir o argumento dos repetentes Phil Lord e Christopher Miller (a dupla de "O Filme Lego"), que ao lado de Dave Callaham ("Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis") moldam uma saga de grande fôlego, honrando a mitologia do super-herói amigo da vizinhança sem ficarem presos ao cânone.

O equilíbrio (ou disputa?) entre a tradição e a renovação é, talvez ainda mais do que na aventura anterior, o elemento-chave de uma história focada na solidão e no desajuste adolescentes, com o desejo de pertença e sobretudo de afirmação a guiar a jornada de Miles Morales. E também a de Gwen Stacy de uma realidade alternativa, promovida a co-protagonista depois de ter sido um dos grandes achados de "Homem-Aranha: No Universo Aranha".

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O abraço às personagens alarga-se a uma vasta galeria de secundários, do núcleo familiar da dupla a novos rostos (mas alguns bem conhecidos dos fãs da BD) como Miguel O'Hara (o Homem-Aranha 2099, aqui especialmente intransigente), Jessica Drew (Mulher-Aranha numa versão grávida e motociclista), Hobie Brown (um Homem-Aranha punk, tão incrível como soa) ou Pavitr Prabhakar (a versão indiana do super-herói aracnídeo) - todas servidas por um elenco de vozes escolhido a dedo, com gente como Oscar Isaac, Issa Rae ou Daniel Kaluuya a juntar-se aos regressados Shameik Moore e Hailee Steinfeld.

"HOMEM-ARANHA: ATRAVÉS DO ARANHAVERSO" só não convence tanto na escolha do vilão, o que até é inesperado quando o protagonista tem alguns dos mais memoráveis dos comics: Spot, a ameaça de serviço, é tão esquecível (e tão esquecida pelo argumento) que se torna pouco mais do que uma desculpa para a história avançar. Mas aceita-se quando há outras tensões em jogo, mais desafiantes e a encorajarem que o filme fuja ao determinismo do género.

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De qualquer forma, ainda é possível que Spot (com a voz de Jason Schwartzman) se transforme numa figura mais interessante na continuação. Afinal, esta é apenas a primeira parte de uma aventura que será concluída em "Spider-Man: Beyond the Spider-Verse", cuja estreia estava prevista para Março de 2024 mas foi recentemente adiada para data a avançar. É nesse apecto, de resto, que este capítulo intermédio de uma trilogia sai mesmo a perder face ao anterior, que tinha o mérito de ser autocontido (embora remetendo para um longo legado da BD e do cinema).

Quem for ver o filme sem ter esse pormenor em conta pode sair frustrado com um final em modo cliffhanger (mas que cliffhanger!), e até quem já vá à espera dessa limitação ficará, muito provavelmente, ansioso por mais. E no entanto, será difícil não considerar "HOMEM-ARANHA: ATRAVÉS DO ARANHAVERSO" uma experiência (muito) generosa ao longo das suas 2h20 de duração: se outras primeiras partes cinematográficas são pouco mais do que um prólogo insuflado (alô, "Dune - Duna" de Denis Villeneuve), esta é uma viagem emocional calorosa e formalmente vertiginosa, fértil em detalhes e a merecer revisionamentos. "Barbenheimer"? Numa realidade mais justa, este teria sido o Verão de Miles e Gwen...

4/5

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