Guerras em série, da família aos andróides
Ao acentuarem os conflitos, "OZARK", "HUMANS" e "FAUDA" foram dos melhores regressos televisivos do ano numa altura em que não faltam séries a não perder. Até agora, estas continuam a justificar toda a confiança...
"OZARK" (T2): A primeira temporada do drama protagonizado por Jason Bateman e Laura Linney já era boa, mas a segunda vai mais longe ao tornar o quotidiano da família Byrde num lugar inóspito do interior dos EUA ainda mais turvo (com a fotografia sempre a acompanhar, ajudando a desenhar uma atmosfera própria e visualmente reconhecível). E se o argumento continua a partir de um casal aparentemente decente cujas atitudes se vão tornando, no mínimo, moralmente dúbias (o que ainda continua a render à série comparações a "Breaking Bad"), os showrunners Bill Dubuque e Mark Williams ocupam este território com uma segurança reforçada, mérito de um argumento que evita caminhos óbvios e que mergulha no lado negro do sonho americano com uma visão lúcida e adulta, às vezes agonizante mas com espaço para algum humor, e sempre ancorada nas personagens - os protagonistas têm alguns dos melhores desempenhos do seu percurso, os secundários estão à altura com figuras de corpo inteiro e compõem um elenco inatacável. E ao aliar uma crise comunitária à crise de um casal, a aposta da Netflix vai deixando um retrato absorvente do poder do dinheiro e das zonas de sombra das relações humanas. Venha a próxima temporada...
4/5
"HUMANS" (T3): Outro exemplo de uma série que só tem vindo a melhorar, a co-produção do Channel 4 e do AMC tem sabido encontrar novos olhares sobre as possibilidades da inteligência artificial e à terceira foi mesmo de vez: está aqui, agora sem grandes dúvidas, uma das sagas de ficção científicas essenciais dos últimos anos - dentro ou fora do pequeno ecrã. Numa temporada menos dispersa do que as anteriores, e a assumir riscos cada vez maiores, a acção reforçou o fosso entre os humanos e os synths (andróides inicialmente criados para tarefas domésticas mas que ganharam consciência) enquanto cimentou pontes com as lutas pelos direitos civis das minorias, lembrando em parte conflitos de sagas como "Battlestar Galactica", "Sangue Fresco" ou "X-Men" (nas quais a diferença tinha a face de extraterrestres, vampiros e mutantes, respectivamente). Mas poucas vezes essas séries ou filmes se terão aproximado da excelência que estes oito episódios atingiram, numa trama distópica na qual os actores se mantêm como o maior efeito especial, defendendo muito bem um argumento tão hábil na tensão como na comoção ou imaginação de uma guerra civil que espelha realidades nada futuristas.
4,5/5
"FAUDA" (T2): Quem se queixa do número de mortes de "A Guerra dos Tronos" talvez nem deva aproximar-se desta série israelita (disponível na Netflix), que tem sido muito mais impiedosa com as personagens e com os espectadores e não receia despedir-se de figuras que prometiam outros voos. Mas essa crueza raramente surge como gratuita numa história centrada no conflito israelo-árabe, que não se coíbe de expor o preço a pagar por uma guerra contínua enquanto tenta olhar para a disputa com alguma ambiguidade. Só que nem sempre consegue e a sua maior limitação é mesmo a de deixar evidente a nacionalidade dos autores: os israelitas Avi Issacharoff, jornalista especializado em questões palestinianas, e Lior Raz, que também assume o argumento e o papel protagonista, personagem inspirada na sua experiência como ex-agente dos serviços secretos. Admita-se, no entanto, que "Fauda" consegue fugir ao maniqueísmo e não recusa apontar o dedo aos abusos da força especial que acompanha, compondo um cenário onde quase já não sobram inocentes. Pelo caminho é capaz de ensinar alguma coisa a muitos filmes de acção norte-americanos - com perseguições e reviravoltas de antologia -, lição aperfeiçoada por um realismo para o qual contribuem o elenco ou o sentido de espaço. E entre os grandes trunfos está ainda Walid Al Abed, elemento da facção terrorista palestiniana que a interpretação superlativa de Shadi Mar'i ajuda a tornar numa das personagens televisivas mais fascinantes dos últimos anos - e que merecia uma série só dele, até para ajudar a aprofundar o contraste ideológico no centro de um thriller impecavelmente oleado.
3,5/5