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gonn1000

Muitos discos, alguns filmes, séries e livros de vez em quando, concertos quando sobra tempo

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Jogos de guerra

Depois de um filme tão primário e condescendente como "Sniper Americano" ter sido visto e comentado por meio mundo há uns meses, é pena que "MORTE LIMPA" não esteja a receber sequer um décimo da atenção. Porque mesmo sem ser uma obra-prima, é um retrato bem mais adulto e ambíguo da luta contra o terrorismo, a milhas dos facilitismos ideológicos e dramáticos desse biopic de Eastwood.

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O novo filme de Andrew Niccol ("Gattaca", "O Senhor da Guerra", "Sem Tempo") também nem tenta, diga-se, despertar grande mediatismo. A discrição com que tem sido recebido condiz com a sobriedade do olhar centrado no dia-a-dia de um oficial da Força Área norte-americana, cada vez mais frustrado por ter sido obrigado a deixar os céus para se dedicar a uma rotina que quase se confundiria com um banal trabalho de escritório... não fosse o caso de implicar a coordenação de missões de drones, com uma guerra travada à distância através de comandos e ecrãs.

Em vez do sangue, suor e lágrimas do campo de batalha, "MORTE LIMPA" destaca-se por uma abordagem quase asséptica aos moldes do filme de guerra, com as tragédias provocadas e testemunhadas pelo protagonista e colegas a aproximarem-se dos cenários virtuais de um videojogo. Mas que nem por isso deixam de causar estragos, sejam estes físicos, em território inimigo (ou pelo menos suspeito disso), ou psicológicos, como o quotidiano da personagem encarnada por Ethan Hawke trata de atestar.

Apesar de optar por um tom pausado, contemplativo, distante da urgência de outras abordagens à guerra, Niccol não deixa de imprimir algum nervo a um filme que coloca em cheque a conduta dos EUA - e da CIA em particular - sem cair em histerias anti-americanas.

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A galeria de personagens secundárias dá conta dessa ambivalência moral, às vezes até de forma demasiado denunciada (algumas teriam a ganhar com mais tempo de antena), e o percurso do protagonista acaba por ser a reacção possível (e credível) ao estado das coisas. Não é muito imaginativo - o refúgio do oficial no álcool e depressão, com caos conjugal incluído, está longe de ser novidade -, mas pelo menos é justo e bem defendido, que pelo argumento quer pelo elenco - além de Hawke, com uma gravidade raras vezes vista, há uma competente January Jones e uma Zoë Kravitz intrigante, cujo olhar facilmente rouba as cenas.

A quarta temporada de "Segurança Nacional", por exemplo, também se atirou às novas regras do jogo bélico - equacionando o peso da morte à distância de um clique e a desigualdade de forças daí resultante - juntando-lhe ingredientes narrativos capazes de enriquecer a abordagem à temática, não se esgotando nesta. "MORTE LIMPA" voa deliberadamente mais baixo, e se essa opção, esquemática q.b., corta parte do apelo, não compromete a inteligência, rigor e carga emocional do resultado. Além disso, Niccol continua a ser um esteta capaz de deixar imagens na retina sem carregar no exibicionismo formal: o contraste entre a aridez desolada do Médio Oriente e a de uma (não tão) festiva Las Vegas só reforça a singularidade desta boa (e demasiado discreta) surpresa.

3/5