Maldita cocaína (e heroína)
São três séries a espreitar e propõem viagens muito diferentes aos (sub)mundos da droga. "GIGANTES" e "ZEROZEROZERO" começam bem, "OZARK" é um dos grandes regressos do ano.
"GIGANTES" (T1), AMC: Esta aposta da Movistar é uma das boas séries espanholas recentes, um drama familiar criminal centrado numa rede de narcotráfico a cargo de um pai tirano e dos seus três filhos (que acabam a lutar entre si para disputar a liderança do império). Não sendo especialmente original, é um retrato conseguido tanto pelos conflitos que vai colocando em jogo (além dos familiares, há ameaças de clãs ou das autoridades) como pelo ritmo e sentido atmosférico com que é apresentado - mérito de Enrique Urbizu, um dos criadores e realizador da maioria dos episódios, há muito habituado a territórios do thriller (tendo recebido o Goya de Melhor Realizador em 2011 com "No habrá paz para los malvados").
Se o veterano José Coronado, na pele de patriarca repelente, não é tão bem aproveitado como poderia (a sua entrega não chega para dar mais dimensões à personagem), as jornadas dos filhos são mais intrigantes. Sobretudo o arco do mais velho, interpretado por um Isak Férriz com carisma e nervo à altura de um protagonista obstinado e indomável. Também interessante é o rumo das mulheres que vão cruzando a vida dos três irmãos, sejam cúmplices ou antagonistas, e que poderá vir a ser mais explorado. Uma pista a confirmar na segunda (e última) temporada, também já com estreia confirmada no AMC. A primeira (de seis episódios) chegou esta quarta-feira, 1 de Abril, depois de ter passado há poucos meses na RTP2, e tem um final tão caótico como engenhosamente orquestrado. Numa palavra, ¡vale!
3/5
"OZARK" (T3), Netflix: À terceira temporada, a série protagonizada por Jason Bateman (que também é produtor executivo e realizador de alguns episódios) e Laura Linney consolida o lugar entre as melhores dos últimos anos. E algum cepticismo inicial, sobretudo pelas muitas comparações com "Breaking Bad", tem cada vez menos razão de ser quando o drama da autoria de Bill Dubuque e Mark Williams já encontrou, dominou e apurou o seu universo.
A tensão continua a partir de dilemas conjugais que têm ligação directa com a lavagem de dinheiro para um cartel mexicano (e agora também há um casino pelo meio), mas além de um óptimo relato familiar cruzado com o thriller, os novos episódios reforçam as doses de humor negro em complementos tão estratégicos como (quase sempre) certeiros. A cena do desfecho, por exemplo, é de antologia, e antes dessa há um estudo de personagens que nunca sai comprometido pela intrusão de acessos espirituosos - e que podem ser simultaneamente inquietantes.
Além da relação ambígua do casal protagonista, esta temporada também sabe como dar espaço a secundários, sejam presenças habituais ou recém-chegadas. As cenas entre Ruth e Wyatt Langmore ou Wendy Byrde e o irmão, Ben Davis, são mesmo das mais fortes de toda a história da série, daquelas que tornam praticamente obrigatória a nomeação de alguns actores para os prémios televisivos, nos quais "Ozark" não se tem saído mal (Laura Linney, Julia Garner e a nova aquisição Tom Pelphrey são especialmente memoráveis, sobretudo no crescendo emocional da segunda metade da temporada). Se não é a melhor proposta de binge-watching do momento, deve andar lá bem perto.
4/5
"ZEROZEROZERO" (T1), HBO Portugal: Não falta pedigree a esta produção que junta um elenco internacional (de Gabriel Byrne ao veterano Adriano Chiaramida), foi filmada em vários continentes, adapta o livro homónimo do italiano Roberto Saviano, autor de "Gomorra", e tem Stefano Sollima entre os autores e realizadores (que além de ter dirigido alguns episódios de "Gomorra", assinou os filmes "Suburra" e "Sicario - Infiltrado"). O dinamarquês Janus Metz ("Borg vs. McEnroe") e o argentino Pablo Trapero ("O Clã") são outros realizadores desta saga dividida em três histórias que acabarão por se cruzar, acompanhando a viagem atribulada de um navio de carga que transporta cocaína clandestinamente entre o México e Itália.
Senegal, Marrocos e os EUA também são pontos deste roteiro nada paradisíaco que mantém intocável (e irrepreensível) o realismo associado às adaptações das obras de Saviano. E retoma ainda a sua crueza e crueldade, com um tom quase sempre angustiante, às vezes claustrofóbico, ampliado pela banda sonora melancólica (e inspirada) dos Mogwai. Mas se em "Gomorra" (a série), o niilismo extremo é acompanhado de personagens bem desenhadas, aqui o seu desenvolvimento não é tão complexo, por muito que a maioria dos actores consiga acrescentar camadas a um argumento mais conseguido no retrato das relações de tráfico internacionais do que na singularidade dos seus agentes. Isso não compromete as óbvias qualidades formais e narrativas (todos os episódios têm uma cena-chave que obriga a um flashback, opção hábil para contar uma história tão ampla e ambiciosa), mas vai demovendo o impacto emocional de uma saga que poderia ter alcançando outros voos.
A fixar, ainda assim: o olhar indecifrável de Harold Torres, na pele de um soldado mexicano que passa para o outro lado do sistema, e Andrea Riseborough, brilhante noutra das figuras mais contraditórias, ao comando do navio no centro da acção (e bem acompanhada por um surpreendente Dane DeHaan).
3/5