Melodrama à grande e à francesa
A fronteira entre o melodrama e o dramalhão pode ser ténue, Arnaud Desplechin que o diga no seu novo filme. "IRMÃO E IRMÃ", tão obsessivo como excessivo, faz desse balanço a sua força enquanto oferece a Marion Cotillard e Melvil Poupaud duas das personagens mais intensas dos últimos tempos.
Famílias disfuncionais estão longe de ser uma novidade no percurso do realizador de "Esther Kahn" (2000) e "Um Conto de Natal" (2008), que até já se tinha debruçado, em "Reis e Rainha" (2005), na premissa que retoma no seu novo filme: a da relação conflituosa entre dois irmãos.
Alice, uma actriz consagrada, e Louis, professor e escritor cuja obra assenta muito na vida pessoal da irmã, estão afastados há anos, sem manterem qualquer contacto, até que um acidente familiar com sugestões trágicas parece obrigar a um reencontro. Mas o que levou a que uma muralha de ódio nascesse num relacionamento em tempos tão cúmplice? Arnaud Desplechin não dá a resposta de bandeja ao espectador, levando-o numa viagem que contrasta personagens, espaços, tons e estados emocionais, atirando-o para o âmago e para as ressonâncias de um relacionamento tóxico.
A tapeçaria narrativa, que abraça flashbacks, narrações em off e coloca os protagonistas a falar directamente para a câmara, ajuda a fazer desta uma jornada singular e pessoal, mas não necessariamente transmissível.
"IRMÃO E IRMÃ" não tem tido um acolhimento consensual, o que não é inédito na filmografia do realizador francês, e as muitas cenas com emoções exacerbadas abrem caminho a acusações de auto-indulgência. Mas se os seus protagonistas podem ser exasperantes, numa disputa pelo tudo ou nada perfeitamente condizente com a linguagem do filme, também ajudam a fazer deste um (melo)drama vibrante e imprevisível como poucos.
Não é defeito, é feitio, dirá quem aderir ao choque de titãs de braços abertos, postura que Marion Cotillard e Melvil Poupad adoptam face às suas personagens. Ambos se entregam à vulnerabilidade, à altivez, à obsessão, à frustração e ao narcisismo sem caírem nas armadilhas do overacting. São dois dos maiores actores franceses da sua geração e desempenhos como estes ajudam a desfazer dúvidas. Felizmente, não carregam "IRMÃO E IRMÃ" às costas: apesar de interpretações memoráveis, o resultado não se limita ao "filme de actores" quando a assinatura na realização não passa despercebida (e aí tanto os adeptos como os cépticos concordarão) e a montagem é tantas vezes prodigiosa.
Sem medo de mergulhar (mais uma vez) na perda, no ciúme e na solidão, Desplechin propõe uma experiência desconfortável mas imponente na forma como adere ao romanesco, revelando uma convicção à altura da que o conterrâneo Xavier Giannoli também demonstrou recentemente em "Ilusões Perdidas", outra das estreias superlativas de 2022. Venha mais cinema francês (e não só) tão destemido em 2023...
4/5